A História da Neuroimagem

Renato M.E. Sabbatini, PhD

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4. Imagens Funcionais: A Ressonância Magnética

Por volta de 1937, o físico russo naturalizado americano Isidor I. Rabi (1898-1988), trabalhando nos EUA, tinha descoberto um fenômeno importante, a que ele denominou de ressonância magnética nuclear. Os avanços na física de partículas tinham determinado que os prótons contidos nos núcleos de átomos tinham um movimento em torno do seu eixo, denominado de spin (giro). Como os prótons e os elétrons em suas órbitas ao redor do núcleo de determinados átomos formam um dipolo elétrico (cargas elétricas opostas separadas por um espaço), e estes dipolos estão em constante movimento, gera-se também um dipolo magnético (norte-sul).

Rabi descobriu, então, que submetendo uma substância deste tipo (como o hidrogênio, por exemplo) a um fortíssimo campo magnético externo, os dipolos magnéticos nucleares se alinhavam todos na mesma direção, seguindo as linhas deste campo (precessão), e podiam absorver energia radiomagnética externa, proporcional à intensidade do campo magnético (é o chamado fenômeno da ressonância, que significa "vibrar em conjunto"). Ao ser suspenso o campo magnético (o que é denominado de relaxamento), os dipolos voltavam ao seu movimento aleatório, e devolviam a energia absorvida na forma de ondas eletromagnéticas, cuja freqüência era típica de cada tipo de átomo (denominada freqüência de Larmor, em honra ao seu descobridor, o físico irlandês Sir Joseph Larmor (1857-1942). Analisando o espectro (a soma) de todas as freqüências emitidas, Rabi era capaz de medir a quantidade de cada átomo na amostra, criando um novo método de análise molecular extremamente poderoso, que foi chamado de espectroscopia de ressonância magnética nuclear. Dois outros fisicos americanos, Felix Bloch (1905-1983) e Edward Purcell (1912-1997), estudaram com detalhe o fenômeno da RNM descoberto por Rabi, em 1946, e esta técnica passou a ser usada rotineiramente para estudar a composição molecular de pequenas amostras. Rabi recebeu o prêmio Nobel de Física de 1944, e Bloch e Purcell receberam o prêmio Nobel de Física de 1952 por suas descobertas.

Raymond Damadian

Paul C. Lauterbur

Muitos anos mais tarde, na década dos 60s, outro físico americano, Paul C. Lauterbur (1929-), chegou à conclusão que se fosse possível recolher esta radiação eletromagnética a partir de vários pontos ao redor do mesmo plano de uma amostra estimulada radiomagneticamente, poderia se obter uma imagem dos átomos da mesma. Após vários experimentos com um protótipo, ele demonstrou que isso realmente era possível. Seu trabalho foi publicado em 1973 na revista Nature, sob o título "Image formation by induced local interaction; examples employing magnetic resonance". Para obter a localização espacial da radiação emitida pelos núcleos ressonantes, Lauterbur desenvolveu a técnica crucial de combinar o campo magnético mais forte com um mais fraco, formando um gradiente ao longo da amostra. A esta técnica ele deu o nome de zeugmatografia (da palavra em grego que significa conjugação). Lauterbur utilizou a mesma técnica matemática utilizada na tomografia axial computadorizada para reconstrução de imagens planares, desenvolvida por Allan Cormack. Usando um eletromagneto com uma abertura anular modesta, Lauterbur conseguiu imagens apenas de seres vivos pequenos, como animais marinhos e frutas

Na mesma época. um médico de origem armênia, Raymond Damadian, estava experimentando com a espectroscopia de RNM para tentar diferenciar as características paramagnéticas de tumores, em uma faixa do espectro chamado T1. Ele tinha conseguido demonstrar que neoplasias tinham respostas de RNM diferentes de tecido normal, e isso tinham uma enorme importância como método diagnóstico. Ao conhecer o trabalho de Lauterbur e Hounsfield, Damadian fez a junção entre as tecnologias de imageamento por NMR e de tomografia axial, e construiu em 1975 o primeiro tomógrafo de NRM para aplicações clínicas (inicialmente também apenas para a cabeça). Para conseguir os enormes campos magnéticos necessários para um ser humano, Damadian e a equipe utilizaram um magneto supercondutor de baixissima temperatura, imerso em hélio líquido, técnica que é usada até hoje.

O primeiro protótipo que ele e sua equipe construíram, batizado de The Indomitable, conseguiu obter a primeira imagem tomográfica em 3 de julho de 1977, mostrando que essa técnica era ideal para imagear tecidos moles, portanto, o cérebro. A primeira imagem (de um dos assistentes de Damadian, que foi cobaia voluntário para o experimento) demorou nove horas para ser obtida, e tinha apenas 106 pontos.



The Indomitable, o primeiro tomógrafo de ressonância magnética


Imagem sagital do cérebro obtida por MRI

Damadian fundou uma empresa, a Fonar, que em 1980 lançou a primeira máquina comercial, ainda mais cara do que os tomógrafos de raios X, e que foi líder do mercado por muitos anos. O protótipo de Damadian foi parar no Museu de História Americana da Smithsonian Institution, em Washington, nos EUA. Ele e Lauterbur não ganharam o prêmio Nobel, como muita gente acha que deviam, mas foram agraciados pelo presidente dos EUA com a Medalha Nacional de Tecnologia por sua contribuição.

Para evitar associações polêmicas com a palavra nuclear, a técnica passou a ser chamada de MRI, do inglês Magnetic Resonance Imaging.

O MRI funcional

Apesar das excitantes descobertas realizadas com as imagens da ressonância magnética, elas ainda eram de natureza puramente anatômica, ou seja, não podiam ser usadas diretamente para obter imagens funcionais do sistema nervoso.

Ao descobrir, entretanto, que determinadas substâncias contrastantes podiam ser usadas para alterar as imagens do MRI, por volta de 1990, os radiologistas que trabalhavam com esta técnica começaram a desenvolver a chamada ressonância magnética funcional (fMRI). Neste ano, dois pesquisadores americanos, Seiji Ogawa, dos Laboratórios Bell, em New Jersey, estudando ratos, e John W. Belliveau, do Massachussetts General Hospital, em Boston, conseguiram demonstrar que o nível de oxigenação do sange funcionava como um agente de contraste em imagens de MRI, e que o mesmo variava em função do fluxo sangüíneo cerebral. A razão para isso é que a hemoglobina carregada pelo sangue tem propriedades magnéticas diferentes dependendo se ela está oxigenada (deoxihemoglobina) ou não, e que essas diferenças afetam o sinal registrado na imagem. Portanto, o MRI podia ser usado para obter imagens indiretas do fluxo sangüíneo cerebral, pois o conteúdo de deoxihemoglobina é inversamente proporcional ao fluxo (em outras palavras, o fluxo sangüíneo aumenta sem que haja uma diminuição proporcional no conteúdo do oxigênio carregado pelo sangue). Ogawa e colaboradores obtiveram imagens da microvasculatura cerebral sofrendo alterações de fluxo cerebral induzidos por anestésicos, hipoglicemia induzida por insulina e por inalação de gases que alteravam a demanda metabólica por oxigênio ou o fluxo cerebral. O fenômeno foi denominado por eles de BOLD, da sigla em inglês Blood Oxygenation Level Dependent, ou dependente do nível de oxigenação do sangue.

Imagens frontais de MRI contrastada com deoxihemoglobina do cérebro de um rato respirando três misturas de gases: (a) oxigênio com 0,75% de halotano; (b) oxigênio com 3% de halotano; e (c) 100% de nitrogênio (Imagens: Ogawa et al., 1990).

Uma outra descoberta contribuiu significativamente para o desenvolvimento do fMRI. Em 1986, dois pesquisadores americanos, Marcus E. Raichle e Peter T. Fox, trabalhando com imagens PET, tinham demonstrado uma relação direta entre ativação neuronal localizada e o aumento do fluxo cerebral e do metabolismo de oxigênio em cérebros humanos. Assim, aplicando esse conhecimento ao fMRI, foi possivel desenvolver uma metodologia relativamente simples para obter imagens funcionais da seguinte maneira: inicialmente era feita uma tomografia de MRI do cérebro em repouso. Em seguida, o sujeito era submetido a algum tipo de estímulo (por exemplo, um estímulo visual), ou induzido a realizar alguma tarefa (por exemplo, mexer repetidamente um dedo da mão, ou ler uma frase em uma tela), e a imagem de MRI da mesma região era obtida. Ao subtrair digitalmente uma imagem da outra, usando a deoxihemoglobina como marcador, a imagem-diferença refletia a variação (para mais ou para menos) do fluxo sangüíneo cerebral. Pelo menos quatro grupos de pesquisa, em Wisconsin, EUA, Göttingen, Alemanha, e, novamente, os grupos de pesquisa de Ogawa e Belliveau, demonstraram quase que simultaneamente, em 1992, que esta técnica era capaz de mostrar o local preciso de ativação do córtex visual em seis sujeitos humanos submetidos à estimulação visual uni e bilateral, ou ao realizar tarefas motoras.

O método da subtração digital de MRI, usado para mostrar a ativação do córtex visual primário (V1) e do corpo geniculado lateral (LGN) durante um estímulo visual (Ogawa et al., 1992). A escala de falsa cor indica a intensidade do fluxo sanguineo cerebral alterado pela ativação neuronal correspondente. Imagens: Bell Labs

Com esse verdadeiro "ovo de Colombo" nas mãos, que não exigia nenhum equipamento diferente do que os tomógrafos de MRI já em uso em todo o mundo, diversos grupos de pesquisa conseguiram rapidamente demonstrar que a fMRI, como foi chamada, podia ser usada para mapear o funcionamento do cérebro através de imagens com ótima resolução anatômica. O número de trabalhos aumentou enormemente, e o fMRI passou a ser a técnica de escolha na pesquisa de funções mentais, por ter várias vantagens em relação a outras técnicas, como o PET:

Marcus E.Raichle

Seiji Ogawa

 

Peter T. Fox

Atualmente, tornaram-se cada vez mais comuns o uso de técnicas refinadas, como as imagens tridimensionais em movimento, mostrando a anatomia e a função do cérebro intacto, e resoluções cada vez mais microscópicos de imageamento MRI, tornaram-se comuns, indicando o fascinante caminho que a neuroimagem funcional irá seguir nas próximas décadas.


A História da Neuroimagem
Por
Renato M.E. Sabbatini, PhD
Revista Cérebro & Mente, 20, Novembro 2003-Janeiro 2004
Copyright 2003 Renato M.E. Sabbatini

Parte 4 de 7
Publicado em 1.Mai.2003