Desde a época em que a técnica analógica de tomografia axial de raios x foi desenvolvida por Vallebona, os cientistas sabiam que se houvesse uma maneira de desenvolver um método computacional para processar as imagens geradas pelo equipamento de raios x deslocado ao redor de paciente, seria possível obter imagens individuais muito mais nítidas do interior do corpo a partir de suas projeções. As imagens poderiam ser representadas na forma de planos seccionais bidimensionais. Essa metodologia, denominada de retroprojeção ("backprojection"), no entanto, era impossível de ser feita com os computadores analógicos primitivos da época.
Uma solução matemática para processar digitalmente essas imagens foi desenvolvida em 1965 pelo matemático americano Allan M. Cormack (1924-1998), que a denominou de transformada de Radon. A técnica para obter as imagens sucessivas de raios x, chamada de tomografia de emissão computadorizada, usando o detector situado a 180 graus do emissor de raios X, também tinha sido desenvolvida em 1963, por David Kuhl e Roy Edwards. Até esta época, no entanto, a técnica de tomografia axial computadorizada, como foi denominada, era inviável do ponto de vista computacional, pois os processadores digitais também ainda não tinham a capacidade para processar essa grande quantidade de imagens. Foi preciso aguardar que surgissem computadores digitais mais compactos e mais baratos, e, principalmente, detectores de raios-x de estado sólido. Essas duas tecnologias-chave convergiram, através da revolução da microeletrônica digital, na terceira geração de computadores, os chamados minicomputadores, no início da década dos 70s.
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Um radiologista americano, William H. Oldendorf (1925-1992), desenvolveu as primeiras aplicações de reconstrução médica em 1961, a partir de experimentos com um protótipo rudimentar, que patenteou em 1963. Seu pioneirismo, entretanto, não foi reconhecido adequadamente. Ao apresentar a sua invenção a uma grande empresa de fabricação de equipamentos médicos, Oldendorf recebeu a seguinte resposta: "Mesmo se pudéssemos fazê-lo funcionar como você sugere, nós não conseguimos imaginar que exista um mercado significativo para um aparelho tão caro, que não faz nada a não ser tirar radiografias seccionais da cabeça.”
O privilégio de ter sido o inventor do primeiro aparelho prático de tomografia axial computadorizada, no entanto, coube a um engenheiro escocês, Sir Godfrey N. Hounsfield (1919-), que em 1967 conseguiu adquirir imagens radiográficas digitais em tempo real, ao redor de um eixo, e que processadas por meio do algoritmo de integração de linha, foram capazes de render as primeiras imagens tomográficas axiais computadorizadas. Os primeiros tomógrafos eram extremamente lentos e imprecisos, e não podiam ser usados em aplicações clínicas, pois demorava 9 horas para obter uma seção, 9 dias de tempo de computação e 2 horas de exibição da imagem, para a sua reconstrução com apenas 4% de acurácia!
O progresso técnico foi rápido, entrementes. Por volta de 1970, os tempos de aquisição e de processamento atingiram níveis praticáveis. Assim, a empresa escocesa onde trabalhava Hounsfield, a EMI, foi a primeira a lançar, em 1971, modelos comerciais que se espalharam rapidamente, pelo mundo, apesar do altíssimo preço (os primeiros CAT scanners, como foram alcunhados, de sua sigla em inglês, Computed Axial Tomography, custavam alguns milhões de dólares). Nos EUA, o especialista em computação médica Robert S. Ledley, patenteou em 1974 um modelo de tomógrafo (ACTA: Automatic Computerized Transverse Axial Scanner) que foi logo aproveitado para venda por empresas americanas, como a General Electric (que patenteou seu primeiro CAT em 1976), fazendo com que o setor econômico de imagens médicas computadorizadas crescesse enormemente nas décadas seguintes. Cormack e Hounsfield receberam o prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia de 1979 por suas descobertas. Oldendorf, apesar de seu pioneirismo, foi esquecido na concessão do prêmio, o que muitos acharam ter sido uma grande injustiça.
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As primeiras imagens obtidas do cérebro eram bastante grosseiras, mas mostravam o caminho tecnológico que foi seguido inexoravelmente nos anos seguintes, de desenvolvimento de uma formidável ferramenta de visualização do interior do corpo. O cérebro era o órgão ideal para a CAT, pelas razões que expusemos acima, assim, não é de se surpreender que os primeiros equipamentos tinham espaço apenas para a cabeça, e foram usados exclusivamente em neurologia.
Corte transversal do cérebro de um paciente com um tumor, obtido por um tomógrafo por volta de 1976. Notar a comparação com o corte anatômico obtido na necrópsia |
O Sireton, da Siemens, |
Tomografia de raios X moderna do crânio |
Com a tomografia axial computadorizada, pela primeira vez os neurocientistas e médicos podiam ver com grande detalhe e obter a localização precisa de tumores, de estruturas cerebrais demarcadas, como feixes de fibras, nervos, substância cinzenta, etc. A neuroimagem passou a ter um extraordinário desenvolvimento.
No entanto, a tomografia ainda tinha deficiências importantes com relação ao ideal em termos de imagem do sistema nervoso. Apesar das imagens obtidas do tecido nervoso serem muito mais nítidas e detalhadas do que as de radiografias planares comuns, a questão da sua grande transparência aos raios X não permitia chegar à uma identificação mais detalhada das estruturas neurais, como desejavam os neurocientistas e neurologistas. Outra deficiência é que as imagens de raios X são puramente estruturais, e havia a necessidade cada vez maior de se obter também mapeamentos funcionais não-invasivos do sistema nervoso.
Felizmente, mais ou menos na mesma década em que surgiu a tomografia axial computadorizada, outros cientistas e inventores, aproveitando o princípio da reconstrução computadorizada axial, descobriram novas formas de se obter imagens estruturais e funcionais que excediam em muito a capacidade da tomografia dos raios-x. Esses inventos, cruciais para o desenvolvimento da neuroimagem nas décadas seguintes, foram a tomografia de ressonância nuclear magnética (NMR) e as tomografias de emissão de fótons (SPECT) e de pósitrons (PET).
A História da Neuroimagem Parte 3 de 7 |