Renato M.E. Sabbatini, PhD
Como resultado das demonstrações experimentais realizadas por Luigi Galvani e seus seguidores, a natureza elétrica da função nervo-músculo estava finalmente desvendada. Entretanto, a prova direta somente poderia ser feita quando os cientistas conseguissem medir ou detectar as correntes elétricas naturais geradas nas células nervosas e musculares. Galvani não tinha a tecnologia necessária para medir essas correntes, porque elas eram muito pequenas. Os electroscópios, os dispositivos medidores usados naquele tempo, não eram sensíveis o suficiente. Como resultado, o estudo da bioeletricidade quase desapareceu do cenário científico até 1827.
Em 1826, Johannes Müller (1801-1858), um notável psicólogo e fisiologista
alemão, propôs sua teoria da "energia nervosa específica", a qual defendia que os
diferentes nervos (ótico, auditivo, etc) transmitiam uma espécie de "código", que
identificava sua origem ao cérebro. Sua proposição, válida até hoje, foi no
entanto baseada no vitalismo, uma doutrina filosófica errônea, que afirmava que a vida era caracterizada
por uma "energia vital" intrínseca. Entretanto, a teoria de Müller foi importante como o
início de uma escola inteiramente nova do pensamento neurofisiológico, o qual eventualmente refutaria
o vitalismo como um conceito válido em biologia.
O palco para as descobertas revolucionárias sobre a função nervosa
que seriam feitas nas próximas décadas tinha como pano de fundo os avanços que estavam sendo
realizados continuamente no conhecimento anatômico sobre o sistema nervoso. Em 1836, Robert Remak descreveu axônios mielinizados e não-mielinizados. No ano seguinte, Jan
Purkynje descreveu células
cerebelares e identificou o núcleo e os processos neuronais. Novamente em 1838, ele e Remak sugeriram que
as fibras nervosas são unidas (ou seja, a fibra nervosa ou axônio é um processo emergindo da
célula nervosa). Em 1839, Theodor Schwann
propôs a teoria celular, ou seja, que o sistema nervoso é composto de células neuronais individuais.
Jan Purkyne e Theodor
Schwann
Então, em 1848-9, meio século após
a descoberta de Galvani, e graças à invenção do galvanômetro (feito duas décadas antes), o cientista suiço-alemão Emil
Heinrich Du Bois-Reymond (1818-1896),
professor de fisiologia em Berlim, discípulo e sucessor de Johannes Müller, conseguiu usar um
novo e sensível tipo de galvanômetro desenvolvido por ele, para detectar o que ele chamou de "corrente
de ação" no nervo do sapo. Ele foi chamado assim porque Du Bois-Reymond notou uma pequena variação
negativa do potencial elétrico de repouso em eletrodos metálicos conectando o nervo ao galvanômetro,
somente quando a estimulação do nervo (mecânica ou elétrica) eliciava uma resposta do
músculo. Ele demonstrou que este fenômeno de "variação negativa" também
ocorre em músculos estriados e é a causa primária da contração muscular.
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Emil Du Bois-Reymond e sua interpretação dos campos elétricos na placa neuromuscular |
Hermann von Helmholz |
A corrente de ação (posteriormente denominada de potencial de ação) foi descoberta por Du Bois-Reymond como sendo um tipo de "onda de impulso elétrico", a qual se propagava em uma velocidade fixa e relativamente lenta ao longo da fibra nervosa. Em 1852, Hermann von Helmholtz (1821-1894) foi capaz de medir a velocidade de impulsos nervosos em sapos, e determinou que a mesma era de aproximadamente 27 metros/seg. As contribuições de Du Bois-Reymond, publicadas em seu livro "Untersuchungen über thierische Elektricität". ("Pesquisas Sobre a Eletricidade Animal") em 1848, criou o campo da eletrofisiologia científica. O trabalho dos dois cientistas serviu para refutar a visão de seu mestre, Johannes Müller, de que o impulso nervoso era um exemplo de uma função vital que nunca poderia ser medida experimentalmente, e sua colaboração com um grupo marcante de fisiologistas, compostos por Carl Ludwig e Ernst von Brücke foi muito importante para reduzir a fisiologia aplicada à química e à física, uma tendência que tem dominado a fisiologia e medicina desde então. Eles "juraram a si mesmos validar a verdade básica de que em um organismo nenhuma outra força tem qualquer efeito senão as físico-químicas...".
O impressionante avanço tecnológico na segunda metade do século XIX marcaria o caminho para o progresso do novo campo da eletrofisiologia.
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