Os
Efeitos da Cocaína no Cérebro
Autores: S.H. Cardoso
e R.M.E. Sabbatini
Corte cerebral pós-mortem de um adito em cocaína. A lesão mostrada refere-se a uma hemorragia cerebral massiva e está associada ao uso da cocaína. (Credits) |
Axônio de um neurônio em contato
com o dendrito de outro neurônio (a sinapse).
O elemento pós-sináptico
mostra sua membrana, bem como os receptores, aos quais
o neurotransmissor se liga e intermedia
os seus efeitos.
(clique aqui
para ver uma animação sobre os efeitos
da cocaína)
Sintetizada em 1859, a cocaína tem
como origem a planta Erythroxylon coca, um arbusto nativo da Bolívia
e do Peru (mas
também cultivado em Java e Sri-Lanka),
em cuja composição química se encontram os alcalóides
Cocaína, Anamil e Truxillina
(ou Cocamina).
As propriedades primárias da droga
bloqueiam a condução de impulsos nas fibras nervosas, quando
aplicada externamente, produzindo uma sensação de amortecimento
e enregelamento. A droga também é vaso constritora, isto
é, contrai os vasos sangüíneos inibindo hemorragias,
além de funcionar como anestésico local, sendo este um dos
seus usos na medicina.
Ingerida ou aspirada, a cocaína
age sobre o sistema nervoso periférico, inibindo a reabsorção,
pelos nervos, da norepinefrina (uma substância orgânica semelhante
à adrenalina). Assim, ela potencializa os efeitos da estimulação
dos nervos. A cocaína é também um estimulante do sistema
nervoso central, agindo sobre ele com efeito similar ao das anfetaminas.
A quantidade necessária para provocar
uma overdose varia de uma pessoa para outra, e a dose fatal vai de 0,2
a 1,5 grama de cocaína pura. A possibilidade de overdose, entretanto,
é maior quando a droga é injetada diretamente na corrente
sangüínea. O efeito da cocaína pode levar a um aumento
de excitabilidade, ansiedade, elevação da pressão
sangüínea, náusea e até mesmo alucinações.
Um relatório norte-americano afirma que uma característica
peculiar da psicose paranóica, resultante do abuso de cocaína,
é um tipo de alucinação na qual formigas, insetos
ou cobras imaginárias parecem estar caminhando sobre ou sob a pele
do cocainômano. Embora exista controvérsia, alguns afirmam
que os únicos perigos médicos do uso da cocaína são
as reações alérgicas fatais e a habilidade da droga
em produzir forte dependência psicológica, mas não
física. Por ser uma substância de efeito rápido e intenso,
a cocaína estimula o usuário a utilizá-la seguidamente
para fugir da profunda depressão que se segue após o seu
efeito.
A Coca-Cola, um dos refrigerantes mais
populares, foi originalmente uma beberagem feita com folhas de coca e vendida
como um "extraordinário agente terapêutico para todos os males,
desde a melancolia até a insônia". Complicações
legais, todavia, fizeram com que a partir de 1906 o refrigerante passasse
a utilizar em sua fórmula folhas de coca descocainadas (revista
Planeta, julho,1986).
Veja outras
características da cocaína
Os malefícios da cocaína
A cocaína é a droga que mais rapidamente devasta o usuário. Bastam alguns meses ou mesmo semanas para que ela cause um emagrecimento profundo, insônia, sangramento do nariz e corisa persistente, lesão da mucosa nasal e tecidos nasais, podendo inclusive causar perfuração do septo (12). Doses elevadas consumidas regularmente também causam palidez, suor frio, desmaios, convulsões e parada respiratória. No cérebro, a cocaína afeta especialmente as áreas motoras, produzindo agitação intensa. A ação da cocaína no corpo é poderosa porém breve, durando cerca de meia hora, já que a droga é rapidamente metabolizada pelo organismo.
Interagindo com os neurotransmissores,
tornam imprecisas as mensagens entre os neurônios.
Função Normal da Dopamina no CérebroVeja a animação (135 K) Sabe-se que neurotransmissores como a dopamina (mostrada em vermelho), noradrenalina e serotonina (esta última recentemente descoberta [10]) são catecolaminas sintetizadas por certas células nervosas que agem em regiões do cérebro promovendo, entre outros efeitos, o prazer e a motivação. Depois de sintetizados, estes neurotransmissores são armazenados dentro de vesículas sinápticas (em verde). Quando chega um impulso elétrico no terminal nervoso, as vesículas se direcionam para a membrana do neurônio e liberam o conteúdo, por ex., da dopamina, na fenda sináptica. A dopamina então atravessa essa fenda e se liga aos seus receptores específicos na membrana do próximo neurônio (neurônio pós-sináptico). Uma série de reações occorre quando a dopamina ocupa receptores dopaminérgicos daquele neurônio: alguns íons entram e saem do neurônio e algumas enzinas são liberadas ou inibidas. Após a dopamina ter se ligado ao receptor pós-sináptico ela é recaptada novamente por sítios transportadores de dopamina localizados no primeiro neurônio (neurônio pré-sináptico). A recaptura dos neurotransmissores é um mecanismo fundamental para manter a homeostase e capacitar os neurônios a reagir rapidamente a novas exigências, já que o trabalho do cérebro é constante. |
A Entrada de Cocaína no CérebroVeja a animação (290 K) Quando a cocaína entra no sistema de recompensa do cérebro, ela bloqueia os sítios transportadores dos neurotransmissores acima mencionados (dopamina, noradrenalina, serotonina), os quais têm a função de levar de volta estas substâncias que estavam agindo na sinapse. Desta maneira, ela possibilita a oferta de um excesso de neurotransmissores no espaço inter-sináptico à disposição dos receptores pós-sinápticos, fato biológico cuja correlação psicológica é uma sensação de magnificência, euforia, prazer, excitação sexual. Por este motivo, denomina-se o consumo da cocaína "Sindrome de Popeye", numa analogia dessa droga com o espinafre do conhecido marinheiro das histórias em quadrinhos (11). Uma vez bloqueados estes sítios, a dopamina e outros neurotransmissores específicos não não são recaptados, ficando portanto, "soltos" no cérebro até que a cocaína saia. Quando um novo impulso nervoso chega, mais neurotransmissor é liberado na sinapse, mas ele se acumula no cérebro por seus sítios recaptadores estarem bloqueados pela cocaína. Acredita-se que a presença anormalmente longa de dopamina no cérebro é que causa os efeitos de prazer associados com o uso da cocaína. Quando imaginamos que ocorrem cerca de trilhões de trocas neuroquímicas por minuto, fica evidente que o preço pago por viver uma experiência de euforia é alto demais em relação às características que o indivíduo terá que encarar (11). O uso prolongado da cocaína pode fazer com que o cérebro se adpte a ela, de forma que ele começa a depender desta substânica para funcionar normalmente diminuindo os níveis de dopamina no neurônio. Se o indivíduo parar de usar cocaína, já não existe dopamina suficiente nas sinapses e então ele experimenta o oposto do prazer - fadiga, depressão e humor alterado.
Os Efeitos Euforizantes Causados Pelo Uso da Cocaína Recentemente, cientistas investigaram os efeitos euforizantes da cocaína através de estudos de imagens cerebrais utilizando a tomografia PET (Positron Emission Tomography), um sofisticado método que permite visualizar a função dos neurônios através do seu metabolismo, usando substâncias radioativas. O trabalho foi publicado na revista Nature [1]. Eles descobriram que a cocaína ocupa
ou bloqueia os "sítios transportadores de dopamina" nas células
cerebrais (conforme dito acima, dopamina é uma substância
sintetizada pelas células nervosas que age em certas regiões
do cérebro promovendo, entre outros efeitos, a motivação).
Os "sítios transportadores de dopamina" levam a dopamina de volta
para dentro de certos neurônios, após ela ter dado uma "passeada"
pelo cérebro promovendo seus efeitos. Se a cocaina ocupar o mecanismo
de transporte da dopamina, esta substância fica "solta" no cérebro
até que a cocaína saia, e é justamente a presença
anormalmente longa dela no cérebro é que causa os efeitos
eufóricos associados com o uso da cocaína.
Clique
aqui para ver as imagens do PET, comparando um paciente não-adito,
como dois aditos à cocaína.
Porque a Cocaína Vicia ?A dependência à cocaína depende de suas propriedades psicoestimulantes e ação anestésica local. A dopamina é considerada importante no sistema de recompensa do cérebro, e seu aumento pode ser responsável pelo grande potencial de dependência da cocaína (veja videoclips sobre experimentos em centros do prazer no cérebro de ratos) . Um estudo de PET, feito por cientistas da Johns Hopkins University e o National Institute on Drug Abuse (NIDA) nos EUA, descobriu que o vício pela cocaína está diretamente correlacionado a um aumento no cérebro dos receptores para substâncias opióides, como as endorfinas, que são naturais, e drogas de abuso, como a heroína e o ópio [2]. Quanto maior a intensidade do vício, maior esse número de receptores. Quando os viciados em cocaína que
foram testados na pesquisa ficavam um mês longe da droga, em alguns
deles o número de receptores voltava ao normal, mas em outros continuava
alto. Pode haver uma correlação entre esse fato e a susceptibilidade
do drogadito voltar ao vício ou não.
Para saber mais: The Brain & the Actions of Cocaine, Opiates, and Marijuana The Effects of Cocaine Cocaine: What are the Risks and Complications? A Cure For Cocaine Addiction Scientists Identify Brain Mechanisms of Cocaine's Euphoric Effects DEA - Drugs of Abuse: Cocaine The Two Brains Revista Cérebro
& Mente 3(8), jan/mar 1999
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