AS ÁREAS CORTICAIS DE ASSOCIAÇÃO
E AS ASSEMBLÉIAS NEURONAIS

Vinte e cinco por cento dos neurônios de um cérebro jovem e sadio situam-se em regiões definidas, nos lobos corticais e nos bulbos olfatórios, sendo responsáveis por funções específicas : processamento de estímulos e respostas motoras. A maioria dos neurônios da córtex, contudo, não estão envolvidos nessas funções. Formam áreas de associação, responsáveis pela integração de informações correntes com outras preexistentes, emocionais e cognitivas (Fig.2).


Fig.2 - As zonas incolores representam as áreas de associação do
cortex cerebral humano.

Os neurônios nas áreas de associação agrupam-se em minicolunas, verticalmente dispostas em relação à espessura cortical. Cada minicoluna faz conexões com suas vizinhas, formando colunas, as quais constituem as unidades básicas de integração das informações. (Fig.3). É a partir delas que, diante da chegada de estímulos, externos ou internos, os neurônios são recrutados para constituir as assembléias neuronais.



FIG. 3 - Diagrama representativo da disposição "em colunas "
do cortex cerebral humano

Processamento de Informações

Nas áreas de associação do lobo parietal são "trabalhadas" as informações somatossensoriais, resultantes de estímulos vindos da pele, músculos, tendões e articulações, bem como aquelas referentes à postura corporal e aos movimentos. A integração dessas informações com outras, provenientes de centros visuais e auditivos, permite formular um pensamento consciente sobre a exata posição de nosso corpo, quer estejamos parados ou em movimento.

A fusão de informações sensoriais recentes com mensagens vindas da memória, notificando prévias experiências, permite um sentido exato e consciente de visões, sons, cheiros, tato e paladar. As áreas de associação na córtex frontal mediam decisões, estabelecem prioridades, planejam o futuro e, diferenciando o certo do errado, conferem a nós, humanos, os sentidos de ética e moral. A córtex frontal participa ainda, com a córtex temporal, do desempenho de outras elevadas funções.

A linguagem, por exemplo, envolve vastas áreas de associação frontais e temporais que se estendem até o lobo occipital. A córtex temporal também participa da decisão do que deve ser ou não guardado na memória de longa duração, bem como determina se os eventos recordados são, ou não, agradáveis. Segundo Susan Greenfield, o pensamento consciente é gerado quando neurônios de diversas colunas se reúnem, funcionalmente, atuam em "uníssono", constróem uma assembléia e iniciam a formação de um estado consciente.

Como elas podem se formar em qualquer uma das áreas associativas, a consciência é múltiplo espacial. Contudo, num determinado instante, apenas uma é suficientemente grande para criar as condições necessárias para a formação de uma experiência consciente. Assim só nos é permitido "vivenciar" uma consciência de cada vez. Logo ela é uni temporal.

O raciocínio por traz desta última propriedade - uni temporalidade - levanta um questionamento : se existe a possibilidade de que, pelo menos duas assembléias se formem, simultaneamente, porque não temos, também, simultaneamente, duas consciências ?

Susan Greenfield procura explicar o fato, partindo da proposição que, quanto maior o número de neurônios recrutados, maior será o "tamanho" da assembléia constituida e, em consequência, maior será a consciência, em termos de intensidade e tempo de duração. Segue que, se for pequeno o número de neurônios recrutados, a consciência resultante será pequena em intensidade e duração e, talvez, nem venha a se formar.

Ela prossegue explicando que, uma vez que o 'pool' de neurônios disponíveis, conquanto imenso, não é infinito, a formação de um vasto grupo neuronal, suficientemente grande para gerar uma consciência em um determinado instante, impossibilita que se constitua, no mesmo espaço de tempo, uma outra assembléia, também suficientemente grande para formar uma segunda experiência consciente. E a Dra. Greenfield termina sua explicação com uma interessante analogia : "se num grupo de quinze pessoas, onze são recrutadas para formar uma equipe de futebol, as quatro restantes são insuficientes para constituir, simultaneamente, um segundo time." Realmente, um raciocínio lógico, o da neurologista inglesa, conquanto altamente especulativo.

Mas, num contexto ainda tão indefinido, como é este da consciência, achamos a idéia procedente, embora "sub-judice". Assim, os fenômenos conscientes se sucederiam, continuamente, cada um diferindo dos demais em duração e intensidade. As vezes, a substituição de uma experiência consciente pela que se segue é tão rápida, que o fato provoca uma falsa sensação de simultaneidade. Nem sempre, contudo, a sequência dos pensamentos conscientes está sob nosso total controle.

Em certas ocasiões ela é "atrapalhada" por um estímulo que, nem veio do meio exterior, nem se originou de um atividade psíquica provocada pela nossa vontade. Ele surgiu por força de uma casualidade quântica. Vejamos : Você está engajado em uma conversa , digamos, sobre informática, quando, de súbito, surge em sua mente a imagem da atriz Jodie Foster, que nada tem a ver com o assunto em pauta. Por que esta "invasão" despropositada ? Talvez porque uma proteína que continha, como engrama, a imagem da atriz, formada há dias, meses ou anos, "decide", subitamente, liberar essa informação de caráter visual, a qual vai ser captada e " trabalhada" por assembléias de neurônios, em alguma área associativa, criando uma lembrança que, conquanto não houvesse sido voluntariamente evocada, emergiu para a consciência.

A teoria das assembléias neuronais permite, também, que se repense a relação entre sonho e consciência : enquanto sonhamos, estamos formando mini-assembléias, a partir, apenas, de pequenos estímulos intramentais (uma vez que não há a participação dos fortes estímulos sensoriais provenientes do meio ambiente). Daí resultarem, via de regra, cenários fragmentados e mutáveis, já que, por sua própria tenuidade, são logo substituídos por outras mini-assembléias e, consequentemente, por outros sonhos.

Essa transitoriedade impede que um número suficientemente grande de neurônios sejam ativados a fim de gerar a intensidade necessária para produzir uma consciência plena. No entanto, quando o conteúdo do sonho nos angustia, esta angústia pode levar à mobilização de um número bem maior de neurônios, criando-se então aquelas condições que favorecem o aparecimento de um estado consciente mais definido. Em tais situações, nós sabemos que estamos "vivenciando" um sonho, dizemos, mentalmente, "devo acordar" e ... acordamos! Um exemplo incontestável da participação da consciência no processo onírico.

Na Conferência de Tucson em 1996, foram relatadas duas proposições, até certo ponto parecidas com a da Dra. Greenfield : Rudolpho Llinas descreveu a existência de surtos de ondas oscilatórias, na faixa de 40 Hz e que se re-instalam diante de um evento sensorial e penetram profundamente no cérebro, estabelecendo um "diálogo" com toda o cortex. Alan Hobson, por sua vez, desenvolveu um modelo experimental, baseado no conceito de que "a consciência resultaria da integração gradual de múltiplas funções cognitivas, permitindo uma representação unificada do mundo, de nossos corpos e do nosso eu."

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