O fato é que ainda estamos muito longe, tecnologicamente, de ter um robô com capacidade, inteligência e autonomia suficientes para substituir o ser humano na maioria das tarefas. Os robôs que existem (e em grande quantidade) são os modelos industriais. Entretanto, não são propriamente inteligentes. A única coisa que eles fazem é reproduzir seqüências de movimentos altamente complexos, como agarrar, deslocar, soltar, apontar, tocar, puxar, etc., imitando um membro superior humano, com todos seus "graus de liberdade" (quantas articulações ele tem, e em quantas direções cada uma delas pode se mover).
Numa linha de produção de automóveis, por exemplo, ou de placas de circuitos impressos, onde ocorrem processos repetidos e exatos, eles funcionam bem... até que alguma coisa saia da seqüência ou da posição programada (uma placa cair ao chão, por exemplo, ou um componente ser acidentalmente menor). Aí acontece o desastre, pois os robôs industriais, com raras exceções, não são inteligentes, ou seja, eles não tem visão, tato ou audição, para "sentir" o objeto ou problema, nem algoritmos adaptativos (que se ajustam automaticamente à situações inteiramente novas). É só imaginar, por exemplo, o quanto seria infernalmente difícil fazer um robô industrial fazer uma tarefa tão simples do que quebrar um ovo e fritá-lo em uma frigideira até que esteja "no ponto" para ser retirado e servido. É preciso o sentido da visão para enxergar o ovo, de tato, para a mão robótica não esmigalhá-lo por excesso de pressão ao ser apanhado; de propriocepção (sensores que indicam a posição do braço e dos dedos), de controle delicado para quebrar o ovo exatamente no meio e derramá-lo sobre a frigideira (que deverá estar na temperatura certa), etc., e etc.
Diversas pesquisas realizadas em centros avançados em robótica, nos EUA, Europa e Japão, estão conseguindo dotar os futuros modelos de robôs com um grau mínimo de "inteligência". Por exemplo, um laboratório japonês produziu um robô com visão, que consegue ler uma partitura musical, e interpretá-la ao piano. Outra universidade, na Alemanha, desenvolveu um veículo robótico autônomo, que "navega" através de uma sala cheia de obstáculos, usando um sistema visual com três olhos (os cientistas alemães acham que assim é mais fácil obter cenas tridimensionais do ambiente). Uma empresa comercializa as primeiras mãos robóticas que tem sensação de tato e que regulam automaticamente a pressão exercida sobre os objetos apanhados por ela.
O "rover" Sojourner (robô móvel sobre rodas) que desceu em Marte e, sob comando terrestre, começou a explorar o terreno e as rochas ao seu redor, foi uma das coisas que voltou a provocar a atenção dos jornais, revistas e TV sobre os robôs, que estavam algo esquecidos. Em 1998, um robô notavelmente parecido com um astronauta estreou em uma empresa japonesa de alta tecnologia. Ele é capaz de subir e descer escadas, evitar obstáculos, etc., de forma autônoma (ou seja, não é necessário um ser humano ficar controlando de longe o robô, como acontece com o Mars Pathfinder. Outra empresa japonesa provocou um grande "frisson" ao vender um cão-robô de 2,000 dólares cada, capaz de muitos comportamentos aparentemente afetivos e inteligentes, que teve seus exemplares à venda esgotados em poucas horas.
Apesar de todos esses avanços, não existe ainda nenhum robô inteligente. Já existem muitos projetos de robôs flexíveis e autônomos, é claro. Os especialistas usam a palavra "adaptativo" para descrever um dispositivo que é capaz de modificar suas ações em função de mudanças no ambiente. Por exemplo, se a porta de um automóvel que precisa ser soldada é colocada em um ponto ligeiramente deslocado em relação ao ideal, o robô é capaz de achar sozinho onde deve realizar a tarefa, sem ficar bloqueado ou provocar um desastre. Isso é fácil de falar, mas extremamente difícil de fazer. Significa, tecnicamente, que o robô capaz dessa proeza precisa ter um sistema de sensores especializados, e os mesmos devem fornecer informações complexas ao "cérebro" (o computador interno) que controla os movimentos do robô, de modo a proporcionar algum tipo de "coordenação sensorial-motora". Esses sensores, como acontece em um ser humano, podem ser auditivos, visuais (visão mono ou binocular), táteis, etc. Utiliza-se muito sensores de ultrassom (uma espécie de sonar, que permite a detecção de obstáculos ao redor do robô) e de laser (reconhecimento de objetos tridimensionais). O ALV (Autonomous Land Vehicle, ou Veículo Terrestre Autônomo, que é o nome científico correto para o robozinho marciano da NASA) tem vários desses sensores.
Fazer um programa capaz de combinar
todas as "sensações" possíveis com os movimentos que
podem ser realizados por um robô é infernalmente difícil,
e não consegue contemplar todas as alternativas. Basta ver que o
robô marciano enguiçou várias vezes em seu percurso,
ao ficar com uma roda no ar, tropeçar em uma pedra e não
conseguir se livrar dela, etc. O último problema foi uma pedrinha
que entrou entre a suspensão e as rodas do "rover". Se este fosse
um ser vivo, ele teria patas, mãos ou focinho, para rapidamente
arrancar a pedrinha incômoda. No caso, ele fica totalmente inutilizado
se alguém não conseguir arranjar um truque para se livrar
do incômodo.
Nosso sistema nervoso funciona bem em tarefas complexas como fritar um ovo corretamente porque:
A resposta foi dada por Sherry Turkle, uma psicanalista e pesquisadora do MIT (Massachussetts Institute of Technology), e que escreveu em 1984 um livro que virou "cult", chamado "The Second Self: Computers and the Human Spirit", (O Segundo Eu). O livro se baseava em uma série de pesquisas, que ela, como socióloga, tinha realizado com relação aos sentimentos que as pessoas tinham em relação a computadores e a robôs. Ela estudou vários tipos de usuários e profissionais da Informática e chegou a conclusões surpreendentes e reveladoras. Uma das mais espantosas é que os seres humanos não tem condições psicológicas de diferenciar mente e emoção natural (observáveis em outro ser humano), de suas simulações artificiais (geradas por um computador). Essa conclusão tem conseqüências importantissimas para a evolução da Inteligência Artificial e da Robótica, à medida que elas se aproximam cada vez mais da capacidade mental do ser humano (basta ver a reação algo histérica do campeão mundial de xadrez, Garry Kasparov, ao perder para o computador da IBM...)
Em uma das diversas estórias que ela conta, um professor de robótica do MIT apresentou aos seus alunos um pequeno e primitivo robô, que era vendido como "kit" por uma empresa americana na época. Ele era capaz de fazer pequenas tarefas, tais como andar, evitar obstáculos, agarrar coisas com seu único braço mecânico, e emitir algumas palavras sintetizadas vocalmente (ao ser ligado, por exemplo, ele falava: "Yes, Master !"). Durante várias aulas, os alunos tiveram a oportunidade de ver Mike em ação, como eles logo "apelidaram" o simpático robozinho, e rapidamente se afeiçoaram a ele (o professor fez questão de tratar o robô como se fosse um ser humano ou um animal de estimação). De repente, de propósito, o professor provocou a queda do robô de cima da mesa, e ele se espatifou no chão, parando de funcionar. Resultado ? Vários alunos ficaram profundamente emocionados com a "morte" do robô.
Esses fatos me vieram à mente com a impressionante onda provocada pela comercialização dos Tamagotchis, pequenos "seres" digitais inventados por uma companhia japonesa, Bandai Digital Entertainment, que se comportam como seres vivos. Eles nascem a partir de pequenos ovos (uma imagem na pequena tela de cristal líquido – Tomagotchi significa "adorável ovinho" em japonês), emitem sinais para o seu dono cada vez que "sentem fome" e precisam ser alimentados (pressionando-se um botão), manifestam prazer quando vêem o dono, dormem e acordam, etc. Outro botão serve para "castigar" o Tamagotchi de vez em quando. Se você cuidar bem dele, ele evolui para uma entre 12 outras criaturas diferentes. O brinquedo já vendeu milhões de exemplares no Japão e outros países do Sudeste Asiático e agora estão invadindo a Europa e os EUA (presume-se que chegarão ao Brasil ainda este ano), e provocou fenômenos muito interessantes que demonstram essa ligação emocional que surge entre homem e máquina, quando ela simula seres vivos e pensantes. Segundo pessoas que se tornaram donos dessas gracinhas,a coisa é divertida no começo, mas logo se torna muito chato atender às suas "exigências".
Só para dar alguns exemplos, existem donos dos Tamagotchis que pararam de trabalhar ou de estudar, apenas para "tomar conta" de seus filhotes. Foram criadas "creches" de Tamagotchis, que em troca de uma módica quantia, tomam conta para você do seu Tamagotchi quando você tem que viajar ou trabalhar. Surgiram também cemitérios de Tamagotchis (pois eles "morrem" depois de um certo tempo, ou se ficarem sem alimento, ou muito abandonados...) e home-pages na Internet onde o dono pode declarar seu amor por eles ou deixar mensagens de epitáfio.
Como não poderia deixar de ser, a fértil imaginação humana começou a criar mil variantes para os Tamagotchis (em uma das variantes, dois Tamagotchis podem ser acoplados para travar batalhas sanguinolentas, que terminam com a morte de um deles). Isso nos permite prever que logo deverão surgir "sociedades" de Tamagotchis, com especializações profissionais, donas de casa, crianças e adultos, etc., que poderão interagir entre si de muitas maneiras diferentes; envolvendo os seres humanos reais.
Tudo isso pode ser estarrecedor para
muita gente, mas não é exatamente uma surpresa, para quem
leu o livro de Sherry Turkle.