MEMÓRIA: COMO FUNCIONA?
Simone Miguez Cunha (1) (2) e Adriana Benevides Soares (2)
A memória é uma função cerebral extremamente importante porque forma a base para a
aprendizagem. Todo o nosso conhecimento e habilidades são armazenados na memória permitindo a nossa
orientação no tempo e no espaço. A representação do conhecimento se dá
dentro deste contexto da memória e seus processos nos permitem armazenar e extrair o conhecimento para usar
em todas as nossas atividades diárias e futuras.
Segundo Sternberg (2000), "a memória é o meio pelo qual nós recorremos as nossas experiências
passadas a fim de usar essas informações no presente".
As recentes pesquisas neuropsicológicas a respeito do funcionamento da memória sugerem maior compreensão
sobre a sua estrutura, organização e seus processos no tratamento da informação.
Até bem pouco tempo, os psicólogos cognitivos acreditavam que a memória era um processo pouco
dinâmico apenas sendo capaz por meio de suas estruturas receber passivamente as informações
para armazená-las e posteriormente recuperá-las. Ou seja, o tratamento da informação
na memória se daria em estágios seqüenciais, onde primeiramente a informação é
codificada, conservada por um momento e posteriormente extraída, sendo a informação manipulada,
cada operação por vez. Em meados de 1960, as pesquisas nesta área, indicavam que a memória
seria caracterizada pelas informações contidas nas suas estruturas de armazenamento.
Entretanto, as pesquisas prosseguiram e geraram novos dados que levaram os psicólogos cognitivos a revisarem
o conceito de memória e como ela funciona. Desta forma, foram surgindo novos modelos de representação
referente ao conceito deste fenômeno psicológico devido a interpretações variadas por
parte dos psicólogos em relação aos resultados obtidos nos estudos científicos ou para
apenas acomodar novos dados.
Neste sentido, nas últimas duas décadas os pesquisadores à partir do desenvolvimento das pesquisas
sustentam a concepção de que a memória é um processo que envolve várias operações
simultaneamente e em paralelo. Seu funcionamento permite que suas operações (codificação,
armazenamento e recuperação) interajam reciprocamente e de forma interdependentes no tratamento da
informação.
MODELOS TEÓRICOS DA MEMÓRIA
A vasta pesquisa neuropsicológica que tem como objetivo conceituar a memória tem sido marcada por
dois momentos fundamentais, o tradicional e o alternativo, que diferenciam pontos de vista acerca da estrutura
e os processos da memória.
Verifica-se uma diversidade na investigação da memória, indicando uma corrente preocupada
em estudar a estrutura geral da memória como um todo e outra focando entender a organização
estrutural da memória semântica (palavras ou conceitos).
O esquema abaixo (Fig 1) mostra como as pesquisas se desenvolveram de acordo com os seus objetivos específicos.
Figura 1: Evolução das pesquisas sobre memória
O primeiro momento das pesquisas sobre memória é assinalado por um modelo de memória denominado
por Sternberg (2000) de modelo tradicional que a conceituava em termos de três armazenadores, o armazenamento
sensorial, o armazenamento de curto prazo e o armazenamento de longo prazo.
Armazenamento Sensorial: Estrutura capaz de estocar quantidade bem limitada de informações por períodos
de tempo muito breves. Esta estrutura era repositória inicial das muitas informações que,
posteriormente ingressavam nos armazenamentos de curto e de longo prazo.
Armazenamento de Curto Prazo: Capaz de armazenar informações por períodos de tempo um pouco
mais longos, mas também de capacidade relativamente limitada. Sua capacidade é de 7 itens, mais ou
menos dois. Como a capacidade e o tempo são mais curtos nós desenvolvemos mecanismos de controle
que interferem nesta capacidade, ou seja, controlamos o fluxo da informação repetindo-a, agrupando-a
ou fazendo associações.
Armazenamento de Longo Prazo: Capaz de estocar informações durante períodos de tempo muito
longos. Esta memória contém todas as informações de que necessitamos para nos arranjarmos
em nossas atividades cotidianas: nome de pessoas, conceitos, planejamento diário, etc.
Este modelo enfatiza estas estruturas como receptáculos passivos nos quais as informações
são armazenadas, e indica que os processos de memória exercem apenas um certo controle na transferência
da informação de um armazenamento para outro.
A perspectiva alternativa tem como aspecto chave o conceito de memória de trabalho, uma memória transitória
breve, que mantém a informação ativada durante alguns minutos, enquanto ela está sendo
processada. Esta idéia enfatiza as funções da memória no controle de seus processos,
tais como a codificação e a integração da informação na memória
de longo prazo. Este caráter dinâmico e contínuo de manipulação e coordenação
na integração da informação marca a diferença com o modelo tradicional. O núcleo
central das pesquisas na perspectiva alternativa tem sido compreender como as palavras ou conceitos são
armazenados em nossa memória de longo prazo, tendo em vista que a unidade fundamental do conhecimento é
o conceito, uma idéia sobre alguma coisa.
Esta preocupação dos pesquisadores em entender a organização estrutural da memória
semântica difere das teorias precedentes que ofereciam explicações somente sobre a estrutura
geral da memória. A memória semântica trabalha com conceitos, idéias às quais
uma pessoa pode associar a várias características e com as quais ela pode conectar várias
outras idéias. Desta forma vários modelos foram elaborados a partir deste objetivo, porém,
nenhum tinha conseguido especificar completamente como todos os conceitos poderiam ser armazenadas em nossa memória
semântica. A partir de revisões e críticas dos teóricos sobre estes modelos, eles sugerem
um modelo alternativo denominado modelo conexionista (processamento distribuído em paralelo - PDP) que defende
a concepção de que manipulamos muitas operações mentais ao mesmo tempo para organizarmos
os conceitos, para armazená-los e posteriormente recuperá-los na nossa memória. Este armazenamento
da informação baseia-se em uma idéia de rede, que é uma série de relações
rotuladas entre nós, os quais são funções para várias relações,
representando palavras ou conceitos. A forma desta rede vai diferir de uma teoria para outra. De acordo com este
modelo a representação do conhecimento realiza-se nas conexões entre vários nós,
não em cada nó individual. Quando tentamos evocar algum conhecimento ativamos um nó que pode
estimular o outro nó conectado e esse processo de ativação disseminada leva à ativação
de nós adicionais. Esta ativação de um nó que leva a outro nó a ele conectado
é denominado de efeito de priming.
Ainda, nesta visão o modelo PDP é consoante com o conceito de memória de trabalho que é
a estrutura a qual comporta a porção ativada mais recentemente da memória de longo prazo e
transfere esses elementos ativados para dentro e para fora de um breve e temporário armazenamento de memória.
Ou seja, a memória de trabalho é uma área de trabalho que nos permite trabalhar com as informações
desejadas e que é útil para o raciocínio imediato, resolução de problemas ou
para elaboração de comportamentos, mas que são esquecidas em breve.
Sternberg (2000), coloca que estes modelos são hipotéticos e não estruturas fisiológicas
reais, servindo somente como modelo mental para compreender o funcionamento da memória.
Muitos psicólogos cognitivos preferem adotar este modelo para descrever os fenômenos de memória,
pois reflete como funciona o cérebro humano, realizando múltiplos processos em andamento ao mesmo
tempo.
DIFERENÇA ENTRE OS MODELOS
Modelo dos três armazenamentos:
? Tratamento em série seqüencial da informação
? Só pode ser simulado por computadores individuais
Modelo de Processamento em Paralelo com a Memória de Trabalho
? Envolve processamento simultâneo de múltiplas operações em redes neurais
? Não pode ser simulado num computador individual, mas somente por uma rede
SISTEMAS DE MEMÓRIA
Será que dirigir um automóvel e saber o nome de um renomado escritor brasileiro são aprendizagens
processadas da mesma maneira? E como lembramos delas?
Segundo Larry Squire (em Sternberg, 2000) há uma distinção entre memória declarativa
(explícita) e de várias formas de memória não-declarativa (implícita).
Outros autores também já tinham proposto uma diferenciação de sistemas de memória
separados para organizar e armazenar a informação. Eles propuseram uma distinção entre
a memória semântica (palavras que envolvem conceitos atemporais) e a memória episódica
(datas, eventos relacionados ao tempo) e a memória processual (memória de hábitos e habilidades).
As diferentes informações que aprendemos são armazenadas e recuperadas de maneiras diferentes.
A memória semântica e a episódica pertencem a memória explícita (declarativa)
e necessita da palavra para trabalhar com a informação, além da inferência da consciência.
Em outras palavras, ela reúne tudo que podemos evocar por meio das palavras, fazendo uma reflexão
consciente sobre este tratamento. A memória implícita (não-declarativa) se difere da explícita
porque não precisa ser verbalizada e não há participação da consciência
no processo. Ela envolve a memória para procedimentos, habilidades, hábitos, comportamentos condicionados
e priming.
Desta forma percebe-se uma clara diferença entre memorizar números, datas e conceitos de dirigir
um carro, montar um quebra-cabeça, jogar vôlei, etc.
Figura 2: Sistemas de Memória
DESENVOLVIMENTO DA MEMÓRIA
A capacidade de memória é influenciada pelo desenvolvimento fisiológico do cérebro,
pela aquisição de conhecimento do conteúdo, das experiências, o contexto ambiental e
pelo uso de estratégias metacognitivas.
A maturação fisiológica do cérebro permite um aumento da complexidade de nossas redes
neuronais ocasionando um melhor desempenho no armazenamento e recuperação da informação.
Bartlett (in Sternberg, 2000) descobriu que o conhecimento e as expectativas prévias influenciam substancialmente
a recuperação da informação. Portanto, tendo um enorme efeito sobre a memória,
às vezes, levando à interferências ou à distorção e, outras vezes, a intensificação
dos processos de memória. O efeito dos nossos esquemas mentais afeta a maneira na qual lembramos o que aprendemos,
tornando a memória construtiva.
Quando integramos uma informação nova às informações já armazenadas na
memória, estamos associando o que é novo aos nossos esquemas mentais já existentes, e este
processo é chamado de consolidação. Podemos aumentar nossa capacidade de armazenamento durante
o processo de consolidação utilizando várias estratégias de metamemória.
Guardamos de maneiras diferentes os nossos vários tipos de conhecimentos, logo, durante o processo de aquisição
destas aprendizagens necessitamos utilizar meios específicos para cada um quando estamos transferindo-os
para a memória de longo prazo.
A repetição da informação é uma estratégia muito utilizada o que facilita
este armazenamento. Quanto maior o tempo destinado na aprendizagem para repetir a matéria mais as pessoas
mostram maior possibilidade para lembrá-las durante longos períodos de tempo. Porém Sternberg
(2000) salienta que esta transferência da informação deve ser realizada estimulando uma organização
na memória em um meio que os torne significativamente integrado com os seus conhecimentos prévios.
Dessa forma acredita-se que o conhecimento permanecerá mais tempo na memória e a capacidade de recuperá-lo
será melhor.
A disposição da organização da informação na memória também
facilita as suas operações melhorando o nosso desempenho quando queremos recuperá-las.
As estratégias citadas até o momento são amplamente conhecidas por todos nós, mas
é possível utilizar outras como; sistemas de palavras associadas, sistemas de palavras-chaves, imagens
interativas, etc, que ajudam no desenvolvimento da memória.
Pode-se concluir que a pessoa ao escolher a estratégia para codificar sua informação tem que
se preocupar também com as estratégias que oferecem mais facilidade para ela recuperar mais tarde
esta mesma informação.
Todos estes recursos mencionados contribuem para o desenvolvimento da memória levando a desempenhos mais
eficientes. Sobremaneira, estas descobertas facilitam as pessoas à aprender como utilizar a memória.
FISIOLOGIA DA MEMÓRIA
As pesquisas neuropsicológicas vêm esclarecendo sobre a fisiologia do cérebro quanto ao funcionamento
da memória. Seus resultados apontam que a memória não está localizada em uma estrutura
isolada no cérebro. As suas funções podem ser compartilhadas por múltiplas estruturas
ou regiões, portanto, a perda de uma função cerebral pode ser compensada por outra região
do cérebro.
Córtex Cerebral: É responsável pelo armazenamento de longo prazo da informação.
Hipocampo: Codificação das informações declarativas. Porém outras estruturas
cerebrais também são responsáveis por outras formas de memória declarativa.
Gânglios da Base: Principais estruturas que controlam o conhecimento de procedimento.
Cerebelo: Responsável pela memória de respostas condicionadas classicamente.
Figura 3: Regiões do cérebro associadas com a memória
Os neurotransmissores (Serotonina, Acetilcolina, Noradrenalina e os hormônios) podem de acordo com suas produções
no organismo interromper ou aumentar o desempenho da memória.
A perda da memória pode estar associada ao consumo de álcool que perturba a atividade da serotonina
como os estados psicológicos alterados do estresse, da ansiedade e da depressão e também o
uso de medicação por tempo prolongado e a falta de vitamina B1.
Todos estes fatores levam a perda da memória e interferem na nossa capacidade de aprender.
MEMÓRIA E APRENDIZAGEM
Memória e Aprendizagem estão estreitamente relacionadas e servem como suporte para o nosso conhecimento.
Como adquirir novos conhecimentos e posteriormente transformá-los sem podermos retê-los? Ao armazenar
a informação construímos mentalmente uma representação do conhecimento que sem
sua existência não poderíamos manejar as nossas aprendizagens e resolver nossos problemas diários
e futuros.
Segundo Pozo (1998), as pesquisas desenvolvidas na teoria do tratamento da informação a respeito
da memória não são suficientes para nos oferecer uma teoria de aprendizagem, devido ao fato
destes estudos estarem analisando os temas aprendizagem e memória conjuntamente sem uma medição
independentemente de um e outro processo. Contudo muitos conceitos delineados pelas evidências encontradas
nos estudos científicos demonstram uma relação bem forte entre elas.
Os estudos demonstraram uma forte evidência de que, a maneira escolhida para codificar a informação
vai interferir na maneira como se vai recuperá-la. Portanto, ao estudar, se utilizarmos várias formas
para relacionar o conhecimento com outras áreas de conhecimento, o nosso desempenho ao recuperar a informação
será mais eficiente. Se houver uma preocupação em diversificar o contexto da codificação
pode-se melhorar significativamente a recuperação daquela aprendizagem. Através da pedagogia
de projetos é possível utilizar esta estratégia para facilitar o desenvolvimento deste princípio.
Para que a informação permaneça mais tempo na memória é necessário que
a aprendizagem seja distribuída em várias sessões ao longo de um tempo. Este conceito poderia
ser integrado as grades curriculares de forma a subsidiar a organização dos tempos de aula e de curso.
Algumas pesquisas concluíram que recordamos mais quando relacionamos a informação aos nossos
esquemas mentais e as nossas experiências pessoais. Ou seja, quando produzimos nossos próprios indícios
demonstramos níveis muito altos de evocação em relação a outra pessoa produzindo
indícios para nós. Assim, pode-se pensar na importância de se rever o papel do professor para
que ele não se torne um elemento central e único no processo de ensino e aprendizagem e para que
a aprendizagem, não seja confundida como memorização temporária de conteúdos
desarticulados com o cotidiano do aluno e muito menos com as realidades sociais. Uma prática nas escolas
orientada para que o aluno possa pensar e refletir sobre o seu próprio processo de construção
de conhecimento facilita-o a elaborar a nova informação num meio significativo para ele, integrando-a
ao seu conhecimento prévio. Desta forma o desempenho da memória torna-se mais eficiente possibilitando
mais autonomia ao aluno.
Por fim, estas descobertas podem vir a contribuir no processo de ensino e aprendizagem facilitando ao aluno construir
o seu conhecimento e melhorando o seu desempenho. Parece indiscutível a contribuição destas
conquistas para a Educação e Psicologia, tendo em vista a amplitude do seu alcance.
BIBLIOGRAFIA
POZO, J. I. (1998) - Teorias Cognitivas da Aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1998.
STERNBERG, R. J. (2000) - Psicologia Cognitiva. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
(1) Instituto Militar de Engenharia - Seção Psicopedagógica
Praça General Tibúrcio, 80 - 22290-270 Rio de Janeiro, R. J
(2) Universidade Gama Filho - Programa de Pós-Graduação em Psicologia
Rua Manuel Vitorino, 533 - 20740-280 Rio de Janeiro - R. J.