O Poder do Riso
Pense
na última vez que você riu. Foi por alguma situação
engraçada? Ou por alguma piada? Ou por uma sátira que viu
na TV? Talvez por nenhuma dessas razões. Muito provavelmente não
houve uma razão especial e você riu ou sorriu ao cumprimentar
alguém, quando conversava com amigos ou quando brincava com alguém.
O riso é universal na espécie humana e uma das coisas mais comuns que fazemos. Nós rimos muitas vezes por dia e em situações extraordinariamente diversas, mas não percebemos isso, porque raramente controlamos conscientemente o nosso riso. O neurobiologista Robert Provine, ao observar 1200 conversações em locais públicos como shopping centers, salas de aula, lanchonetes, ruas, etc, descobriu que 80% do nosso riso não tem nada a ver com humor. Nós rimos essencialmente em situações sociais e geralmente em momentos de felicidade, prazer e brincadeiras, mas sabemos que ele é muito mais do que apenas uma mera manifestação de alegria. Ele também atenua hostilidade e agressão (repare como utilizamos o riso quando queremos atenuar uma típica tensão entre estranhos ou necessitamos dizer não a alguém. Nós frequentemente rimos quando nos desculpamos. O riso desarma as pessoas, cria uma ponte entre elas e facilita o comportamento amigável.
Tudo sto indica que o riso é um elemento importante de nossa biologia comportamental humana. Ele parece ter sido selecionado pela evolução como um dispositivo importante para a nossa sobrevivência. Entender o riso significa compreender as nossas raízes sociais e biológicas e aprimorar as nossas relações sociais.
Por que nós rimos?
O riso, como qualquer outro comportamento
emocional, tem uma função e o riso não é exceção.
A função do riso é a de comunição. É
uma mensagem que nós enviamos às outras pessoas comunicando
disposição para brincar, ligar-se a elas, ficarmos felizes
e fazê-las felizes, mostrarmos que somos pacíficos.
Nós somos criaturas que necessitamos
criar estruturas sociais e viver bem. Então nós precisamos
ter relações pacíficas com as pessoas ao nosso redor.
O riso promove efeitos positivos em nossos
contatos sociais.
A função social do riso pode aprofundar-se ainda mais. Estudos mostraram que indivíduos socialmente dominantes como chefes executivos ou tribais usam o riso para controlar seus subordinados. Quando o chefe ri, os subordinados em geral também riem. O riso é então uma forma de expressar o poder? O filósofo John Moreall especula que desta forma, os chefes estão "controlando o clima emocional do grupo". Dr. Provine e sua equipe observaram que as mulheres em uma audiência riem mais quando o palestrante é um homem.
Precisamos dos risos e das brincadeiras para interagirmos como indivíduos com o grupo social no qual nos inserimos, e também para aliviar as tensões sociais do cotidiano. O riso, as cócegas e as brincadeiras estão entrelaçados de formas bastante complexas e são uma das nossas primeiras experiências de vida.
Nós
aprendemos a rir?
Será que aprendemos a rir desde
bem pequenos, principalmente com nossos pais? Tendemos a pensar que um
bebê poderia estar rindo por imitação, mas evidências
apontam que o riso possui uma base inata, pré-progaramada. Estudos
com cegos, surdos e mudos congênitos, por exemplo, provaram que eles
podiam rir e sorrir, mesmo sem a possiblidade de imitar outras pessoas.
Recentemente observamos o riso em crianças cegas congênitas
e verificamos que eles riem como qualquer criança normal e pelos
mesmos motivos, ou seja, por brincadeiras, cócegas, ao ouvir músicas
alegres, etc.
Clique aqui para ouvir o riso de uma criança cega congênita.
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Criança cega e surda congênita Foto por Eibl-Eibesfeldt |
Os
animais riem?
Se o riso é inato, deve haver evidências para ele no registro evolutivo. Quando observamos primatas próximos aos humanos, nós vemos que o riso não é único a nós mesmos. Os antropóides (chimpanzés, gorilas e orangotango) abrem suas bocas, expõe seus dentes, retraem os cantos da boca, e emitem vocalizações altas e repetitivas, não como o riso dos humanos, mas sons mais parecidas com guinchos ou granidos ou até mesmo através de certas posturas corporais. Eu não acho isso surpreendente, porque nós somos somente uma entre as espécies sociais e não existe razão pela qual deveríamos ter um monopólio sobre o riso como uma ferramenta social. |
O riso pode ter evoluído até mesmo antes dos primatas aparecerem em cena. Ratos, quando estão brincando com seus companheiros, emitem vocalizações que são interpretadas como riso. Estudos realizado pelo neurobiologista americano Jaak Panksepp mostraram que ratos emitem vocalizações ultrasônicas durante o comportamento de brincar de rolar no chão. Pansepp sugere que ratos e primatas, especialmente os jovens, usam o riso para distinguir de interações físicas ameaçadoras. Nós observamos filhotes rolar no chão com os outros, mostrar os dentes e ameaçar morder e perseguir o companheiro. Para nós, eles claramente estão brincando com esta luta de faz-de-conta, mas, vocalizações súbitas do comportamento, incluindo vocalizações, sinalizam a seus parceiros que a luta não é séria. A inabilidade de um filhote de rato vocalizar por causa de um dano cerebral, pode levar a uma luta séria.
Crianças de todas as idades, e, em muitas culturas, e também pais e filhos, também se engajam em brincadeiras de rolar no chão, de dar socos, mas sempre acompanhados pelo riso.
A importância do riso e das brincadeiras
O riso é uma das nossas primeiras experiências de vida. Ele dá início a interação com o mundo ao nosso redor. O ato de brincar é essencial para a aprendizagem e para forjar ligações sociais. Precisamos dos risos e das brincadeiras para interagirmos como indivíduos com o grupo social no qual nos inserimos, e também para aliviar as tensões sociais do cotidiano. Alguns cientistas acreditam que as brincadeiras são parte essencial da formação do caráter. Quando brincamos, simulamos e desenvolvemos as mesmas situações cotidianas que viveremos mais tarde durante a vida adulta. Ou seja, essas brincadeiras físicas vitais e precoces ensinam-nos o alto controle e o comportamento social de que precisaremos na idade adulta. Isto ocorre quando nós aprendemos a usar o riso para indicar que a brincadeira agressiva é só uma brincadeira. Como consequência, formam-se ligações emocionais positivas.
Na faculdade de Ohio, o renomado cientista
Dr. Jaak Panksepp, encontrou evidências de que as brincadeiras são
uma necessidade básica partilhada entre as espécies, e que
serve como uma forma de trabalhar o jogo de dominação e submissão
entre indivíduos do mesmo grupo social, de forma não-violenta.
Isso nos leva a concluir que as brincadeiras e o riso têm o significado
da competição entre os indivíduos de uma mesma espécie
e grupo social. E nos ajuda a entender as sutilezas das relações
sociais, aprendendo a ganhar e a perder, dominar e ser dominado socialmente.
O contexto da brincadeira de rolar no chão, perseguir, usar expressão
de ameaça é o seguinte: "Vou te atacar e te matar, mas quando
o riso se entrelaça nessa brincadeira ele sinaliza: mas não
vou machucá-lo, é tudo uma brincadeira.
O comportamento de brincadeira é universal entre os mamíferos. Brincar de rolar no chão é como simular um ataque. A vocalização típica nestas situações, indica que isso é só um faz de conta. A brincadeira é essencial para a aprendizagem do alto controle e o comportamento social de que precisaremos na idade adulta e para forjar ligações sociais. Ouça a vocalização do macaco e do rato quando estão brincando |
O riso é um reflexo primitivo que nós dividimos com alguns animais. Mas o riso humano involve regiões cerebrais altamente desenvolvidas que nos permite por exemplo, entender uma piada. .
O riso é um bom remédio
O riso está associado não somente com o alívio de tensão induzido pelo perigo e sinalização não agressiva, mas também com a expressão de emoções positivas. Isto poderia ser a base para a a expressão bem conhecida mundialmente de que "o riso é um bom remédio". Pesquisas sérias têm mostrado que esta noção é verdadeira. Riso e humor diminuem estresse e ansiedade, reforça a imunidade, relaxa a tensão muscular e diminui a dor. A Medicina moderna está começando a levar vantagens destes efeitos positivos: crianças hospitalizadas que vêm palhaços brincando permancem menos tempo nos hospitais que aquelas que não vêm.
O riso inicia uma cadeia de reações fisiológicas. Primeiro, ele ativa o sistema cardiovascular, então a freqüência cardíaca e pressão arterial aumentam. As artérias então se dilatam, levando, portanto, a uma queda da pressão. Contrações fortes e repetidas dos músculos da parede torácica, abdomen e diafragma aumentam o fluxo sanguíneo nos órgãos. A respiração forçada (o ha! ha! ha! do riso) eleva o fluxo de oxigênio no sangue. A tensão muscular diminui e nós podemos temporariamente perder controle dos nossos membros, como na expressão "ficar fraco de tanto rir". Pessoas que sofrem de raiva crônica têm alta incidência de pressão sanguínea elevada, níveis mais altos de colesterol e ataques card;iacos. Enquanto a raiva, a depressão e frustração perturbam a função de muitos sistemas fisiológicos, incluindo o sistema imune, o riso ajuda estes sistemas a funcionarem melhor. Por exemplo, o riso ajuda o sistema a aumentar o número de células que auxiliam contra a infecção, as células T, no sangue. O riso também pode promover mudanças hormonais benéficas. Cientistas especulam que o riso libera transmissores neuroquímicos chamados endorfinas, os quais reduzem a sensibilidade à dor e promovem sensações prazeros e de bem estar.
Um mundo melhor com o riso
Riso e brincadeira são elementos
vitais em nosso repertório comportamental humano. Dr. Panksepp sumariza
isso com sabedoria e beleza:
“Riso e brincadeira fertilizam não somente o cérebro, mas fertilizam também o espírito humano. Estes são tipos de sistemas que nos permitem ser brincalhões, construir estruturas sociais estáveis e manter unidas criaturas que fazem coisas certas no mundo. Se outras pessoas estão interagindo com nós de forma positiva e nós respeitamos a forma como elas sentem, então eu acho que nós temos um mundo melhor. E o riso e a brincadeira são grande parte disso”.Para Saber Mais
A
Autora
Silvia
Helena Cardoso, PhD.
Psicobióloga, mestre e doutora
em Ciências. Fundadora e editora-chefe da revista Cérebro
& Mente. Pesquisadora do Núcleo de Informática Biomédica
da Universidade Estadual de Campinas.