A Psicobiologia da Impotência

Marco M. Calegaro, MSc.

O transtorno erétil (também denominado de impotência masculina) pode ser definido como uma consistente inabilidade de conseguir ou manter uma ereção que seja satisfatória para o desempenho sexual.  É um transtorno muito comum: estima-se que cerca de 100 milhões de homens sofram de transtorno erétil em todo o mundo.

Essa disfunção tem muitas causas, que vão desde fatores puramente fisiológicos, até o estresse e outros mecanismos psicológicos. O transtorno erétil é chamado psicogênico quando o organismo funciona adequadamente quanto à fisiologia sexual, mas apresenta um transtorno na ereção sob determinadas circunstâncias.

A ereção é regulada pelo Sistema Nervoso Central por meio de mecanismos bastante complexos e sofisticados. Neste artigo fazemos uma revisão dos conceitos recentes em Neurociências que descrevem estes mecanismos, principalmente em relação as suas prováveis funções na evolução humana.

Evolução, Cérebro e Comportamento

À medida que avança o conhecimento da ciência sobre o cérebro, mais sabemos sobre os mecanismos de processamento neural de informação que estão implicados no controle do comportamento.

Desde os trabalhos pioneiros dos etologistas Niko Tinbergen,  em 1963, os pesquisadores do comportamento animal utilizam diversos níveis de explicações para os fenômenos comportamentais. Particularmente importantes são os conceitos de análise causal próxima e análise causal última, que serão utilizados aqui para enfocar a transtorno erétil.

O exemplo clássico desta distinção pode ser ilustrado pelo comportamento de aves em seus ninhos, quando a mãe elimina do ninho as cascas restantes dos ovos dos filhotes, logo após a eclosão.

Se perguntarmos qual seria a causa desse comportamento, duas respostas,  igualmente válidas, são possíveis. Elas envolvem os dois tipos de análise:

Tradicionalmente, a pesquisa em neurociências direciona-se para a investigação dos fatores próximos, enquanto a biologia evolucionária  analisa os fatores últimos. Infelizmente, a falta de contato de muitos neurocientistas com a metodologia do campo da biologia da evolução tem atrasado um pouco o avanço no conhecimento sobre o cérebro e a mente.

Um dos motivos é que os neurocientistas preferem a abordagem experimental mais precisa dos estudos em laboratório, e consideram que é dificil obter evidências diretas e objetivas sobre a função adaptativa de um comportamento. Este autor defende que, apesar dessas dificuldades, é vantajosa para a Neurociência utilizar em conjunto os dois níveis de análise, o proximal e o funciona. O SNC é um sistema complexo, e, como tal, é moldado pela seleção natural.

É importante entender que a teoria da evolução de Darwin, publicada originalmente em 1871, fornece uma maneira teoricamente bem embasada para compreender as origens dos sistemas neurais que gerenciam o comportamento sexual. A chamada teoria da seleção sexual elaborada por Darwin permite explicar a evolução das características do comportamento reprodutivo e sexual em todos os animais, inclusive nos seres humanos, mesmo aqueles que parecem não conferir vantagem aparente.

O exemplo clássico é a cauda do pavão que pode aumentar a probabilidade de predação, mas é um fator crucial também no aumento da probabilidade de obter acasalamentos e, consequentemente, passar seus genes para as futuras gerações. A teoria da seleção sexual tem sido utilizada recentemente para explicar uma enorme gama de características biológicas e comportamentais humanas.

Desta forma, é possível entender o transtorno erétil à luz tanto dos conhecimentos da sua neurobiologia básica, quanto à luz da teoria da evolução.

A Maquinaria Neural da Ereção

O funcionamento do pênis no coito está sob controle total do SNC (cérebro e medula espinhal). Portanto, o transtorno erétil pode ser causado por qualquer distúrbio que afete nos circuitos nervosos que conectam o pênis ao SNC.

A ereção é o produto final de uma série de eventos orquestrados com maestria pelo SNC. Mesmo quando o pênis está em repouso o SNC está trabalhando duro, através do sistema nervoso simpático, que trabalha continuamente para limitar o fluxo sanguíneo ao pênis. Desta forma ele se mantem flácido a maior parte do tempo.

A resposta sexual masculina reflete um equilíbrio dinâmico finamente regulado entre forças excitatórias e inibitórias. Por um lado o sistema nervoso simpático inibe a ereção enquanto o parassimpático funciona como uma das muitas vias excitatórias.

A excitação sexual pode vir de várias fontes. Estímulos sensoriais como cheiros, visão, toque, estimulação genital ou mesmo pensamentos produzem sinais excitatórios que são transmitidos do cérebro ao pênis, que responde secretando neurotransmissores pró–erécteis, como o óxido nítrico (NO) e acetilcolina. Estas substâncias fazem com que os músculos das paredes das artérias relaxem. Deste modo, aumenta o fluxo sangüíneo, enchendo com sangue as câmaras que existem dentro do pênis, no corpo cavernoso. Quando essas câmaras se expandem ocorre uma compressão nas veias que normalmente drenam o sangue do pênis. Essa compressão aumenta até que as veias fiquem praticamente fechadas, encurralando o sangue dentro das câmaras. Assim ocorre a ereção.
 

Como atua o Viagra?

O componente ativo deste famoso medicamento é o citrato de sildenafil, que atua diminuindo a ação de uma enzima que decompõe um dos agentes químicos que mantém os músculos relaxados, mantendo o sangue no pênis. Portanto, a ação do Viagra é diretamente no pênis, mas necessita ainda do estímulo psicogênico (libido). Estão em estudo drogas de uma nova geração que irão agir diretamente no cérebro e que prometem ser mais eficazes. 

Durante uma ereção, o pênis não só recebe como também envia sinais ao SNC, através dos seus receptores táteis, existentes em alta densidade. Podemos dizer que o pênis não tem “sua própria mente” -- como uma vez observou, intrigado, Leonardo Da Vinci  -- mas ele mantém o S.N.C. bem informado.

 Depois da excitação diminuir ou do orgasmo, o sistema nervoso simpático novamente limita o fluxo sanguíneo para o pênis, que retorna ao seu estado flácido. Portanto, o pênis pode ficar flácido com estímulos que aumentam a atividade simpática, como frio ou estresse.

Já a desativação temporária do sistema nervoso simpático aumenta as ereções, como ocorre durante os sonhos. Cinco ou seis vezes por noite, entramos na chamada "fase R.E.M." (que em inglês significa "rapid eyes movement"). Numa destas fases, os neurônios do sistema nervoso simpático são "desligados" a partir de um núcleo situado no tronco encefálico, chamado locus coeruleus. As mulheres experimentam enturgescimento labial, vaginal e clitoriano, e os homens têm ereções na fase R.E.M.  Especula– se que este mecanismo evoluiu para reenergizar o pênis e o aparelho genital feminino com o sangue rico em oxigênio.

Uma ereção pode ser reflexa, gerada intensamente pela espinha dorsal, em resposta à estimulação do pênis. A capacidade de reprodução é algo tão importante que a seleção natural permitiu uma ereção desencadeada apenas pela circuitaria nervosa da base da medula espinhal. Isso pode ser comprovado por observações feitas em veteranos de guerra lesionados na medula espinhal, por ocasião da segunda guerra mundial, que mostraram que, apesar de paralisados e com perda de controle de muitas funções, cerca de dois em cada três soldados paraplégicos podiam ter ereções. Alguns, surpreendentemente, podiam ter intercurso vaginal e orgasmo. Hoje sabemos que existe um “centro de geração de ereções”, no segmento sacral da espinha (logo acima do fim da espinha, entre a vértebra S3 e T12).

A estimulação física do pênis envia sinais através do nervo pudendo à este centro, cujos interneurônios estimulam os neurônios parassimpáticos próximos. Esses neurônios parassimpáticos, por sua vez, enviam sinais que induzem o pênis à ereção.

É surpreendente constatar que, quando o cérebro está desconectado do “centro de geração de ereções” na espinha, ocorre uma facilitação das ereções, e não o contrário. É preciso menos estimulação táctil e acontecem ereções com muito maior freqüência. Isto só seria possível se o cérebro exercer um efeito inibitório. Um estudo com ratos onde as vias que ligam o cérebro ao centro foram cirurgicamente desligadas mostrou um espantoso aumento de mais de 1000% no número de ereções.

Somente em 1990 é que estas observações foram reforçadas com a identificação de um núcleo cerebral que tem a função de frear as ereções reflexas medulares. Este grupo de neurônios especializados foi chamado Núcleo Paragigantocelular (P.N.G.- paragigantocelular nucleus). A destruição deste núcleo  no cérebro de ratos machos produz ereções muito mais freqüentes e intensas.

O versátil neurotransmissor serotonina atua neste caso com efeito inibitório. Os neurônios do P.N.G. estão conectados com o “centro de geração de ereções”, enviando seus axônios cujas terminações liberam serotonina. Como a serotonina se antagoniza com os efeitos dos neurotransmissores pró-erécteis, acontece uma inibição das ereções.

Quais as implicações desta descoberta? O consumo mundial de antidepressivos vem atingindo proporções gigantescas, com milhões de pessoas tomando drogas chamadas “inibidores seletivas de reabsorção de serotonina” (como o Prozac e o Paxil), que aumentam os níveis deste neurotransmissor. O que é observado como efeito colateral nestes casos é justamente ejaculação retardada ou bloqueada nos homens e desejo reduzido e dificuldade de atingir o orgasmo nas mulheres, fenômenos facilmente compreensíveis quando consideramos a ação inibitória da serotonina no “centro de geração de ereções” medular, via P.N.G.

Cérebro, Hormônios e Comportamento Sexual

O hipotálamo é uma estrutura cerebral importantíssima na reprodução, pois faz o papel de intermediar relações entre o sistema endócrino e o S.N.C. Uma região do hipotálamo chamada “area pré-ótica medial” (M.P.O.A. – Medial Preoptic Area), quando estimulada eletricamente ou por meio químico causa ereção em ratos. Essa região parece integrar estímulos de muitas partes do cérebro fazendo parte dos circuitos nervosos que organizam padrões mais sofisticados de comportamento sexual. Em modelos animais, evidências apontam que pode estar envolvida no reconhecimento do parceiro sexual, por exemplo.

O núcleo paraventricular do hipotálamo funciona como um centro de processamento que envia e recebe sinais de diferentes partes do cérebro e medula espinhal. Ocorre liberação de oxitocina quando estamos sexualmente estimulados. Este neurohormônio é conhecido pela capacidade de produzir lactação e contrações uterinas, já tendo sido apelidado de “neurohormônio do amor”, pelo envolvimento na ligação (bonding) de par e mesmo social (social attachments). O toque físico eleva a ocitocina, daí a contribuição da massagem na erotização em ambos os sexos. Níveis elevados deste neurohormônio promovem o impulso de tocar, o comportamento afetuoso e parental.

A oxitocina tem um poderoso efeito pró- erétil no homem, ligando-se a receptores e estimulando as vias nervosas que vão do centro de geração de ereções na medula até o pênis. A ejaculação é acelerada, a sensibilidade do pênis é aumentada e aumenta a receptividade sexual em ambos os sexos.

Cognição, Adrenalina e Impotência

Em humanos e algumas espécies, as ereções são hemodinâmicas, dependendo de um fluxo aumentado de sangue e do bloqueio da saída. Em roedores e outros animais, as ereções são musculares, acionadas pela contração de músculos específicos. As ereções hemodinâmicas tem a desvantagem de serem mais lentas do que as musculares, mas em compensação duram mais.

O estresse patológico (distress) acarreta duas consequências imediatas importantes para as funções sexuais masculinas. A primeira está ligada ao fato de que o estresse e a ansiedade implicam em predomínio da atividade simpática, e ereções necessitam do sistema nervoso parassimpático ativado, resultando deste descompasso autonômico uma disfunção erétil psicogênica. Segundo, se um sujeito estressado e ansioso consegue a ereção, cognições negativas podem bloquea-la ou um acionamento simpático pode levar a ejacular antes do tempo (ejaculação precoce).

Segundo o neurocientista Robert Sapolsky, mais da metade das visitas masculinas a consultórios médicos por queixas de disfunção erétil se devem à impotência psicogênica e não orgânica. Nas disfunções orgânicas, não ocorrem ereções durante o sono R.E.M., quando o sistema nervoso simpático é desligado momentâneamente pelos neurônios do locus coeruleos. Com a ativação simpática excessiva, a ereção simplesmente não ocorre. Uma ampla gama de espécies animais exibe enorme sensibilidade ao estresse, não conseguindo ereções nestas condições.

Um dos fatores mais influentes na etiologia do T.E. psicogênico é a interação que se estabelece entre o processamento cognitivo do sujeito e microssurtos de adrenalina e ativação simpática. A reação de luta ou fuga envolve uma imediata paralisação das atividades do organismo que não são prioritárias para a sobrevivência. Nossos antepassados, quando sob ameaça, só conseguiram sobreviver inibindo respostas como alimentação, sono e sexualidade e adaptando-se a demanda momentânea com o conjunto de reações que facilita o ataque ou a defesa. Nessa situação, nosso comportamento fica voltado ao que seria prioritário, deixando o sexo para depois.

No entanto, processos cognitivos podem levar à percepção de ameaças (reais ou fantasiosas) e detonar um microssurto de adrenalina em resposta a seqüências de pensamentos, mesmo na ausência de um perigo externo objetivo. O medo de não conseguir uma ereção frente a uma garota atraente e sexualmente agressiva pode ocasionar secreção de adrenalina e acionamento do sistema nervoso simpático, o que derrota facilmente uma ereção, fechando um circuito de retroalimentação negativa. A queda da responsividade do pênis alimenta pensamentos catastróficos (associados à rejeição, depreciação, ridicularização, abandono, etc) que aumenta o fluxo de adrenalina no sistema, impedindo completamente qualquer possibilidade de ereção.

Ou seja, cognições levam a respostas fisiológicas cujos efeitos retroalimentam cognições mais ansiogênicas, que desencadeiam por sua vez reações mais intensas e assim por diante, estabelecendo uma disfunção erétil mesmo em um organismo perfeitamente apto (a presença de ereções durante o sono pode fornecer evidência objetiva), nos demais aspectos, ao desempenho sexual satisfatório.

A terapia comportamental-cognitiva pode ser o mais indicado neste caso, uma vez que trabalha identificando e modificando os pensamentos e crenças subjacentes aos processos cognitivos autodepreciativos que disparam a adrenalina, alem de procurar substituir os condicionamentos mal adaptativos estabelecidos por aprendizagem em experiências de fracasso anteriores por novos padrões comportamentais. Os condicionamentos de medo e ansiedade, associados à experiências sexuais negativas anteriores podem ser decisivos, fazendo a amígdala disparar quando existe reconhecimento de estímulos presentes nas situações originais.

A Evolução do Controle Neural da Ereção

Por que teriam evoluído fortes controles inibitórios sobre o impulso sexual masculino? É um desafio imaginar como um comportamento que aparentemente diminuiria a capacidade de produzir descendentes pode ser resultante da seleção natural. Afinal, são justamente as características e tendências comportamentais que aumentam nosso potencial reprodutivo que são selecionadas, e, portanto, que prosperam na evolução.

Vários aspectos desafiantes do comportamento de animais humanos e não humanos que a princípio pareciam enigmáticos, acabaram inspirando hipóteses explicativas elegantes através do enfoque da moderna teoria evolucionária. O altruísmo e o homossexualismo são exemplos claros, pois tanto o desvio de recursos de si para os outros como relações com o mesmo sexo parecem reduzir a capacidade reprodutiva. Segundo algumas teorias evolucionárias, o altruísmo ou o homossexualismo podem promover a transmissão de genes para as futuras gerações de formas indiretas, colaborando com parentes (que carregam e reproduzem os genes do altruísta) ou entrando em interações sociais que a longo prazo tem mais probabilidade de aumentar do que diminuir a sobrevivência e reprodução.

Mas por que teriam evoluído controles inibitórios elaborados sobre o impulso sexual masculino? Uma teoria recente de John Bancroft da Universidade de Indiana, nos E.U.A. argumenta que este fenômeno reflete uma adaptação, um traço fenotípico desenhado pela seleção natural. Essa inibição central seria adaptativa para os homens por duas razões:


Quando ereção demais não é vantagem

Uma estranha condição chamada priapismo, cujo nome foi inspirado no avantajado personagem mítico Príapo, a ereção pode chegar a mais de quatro horas. O sangue fica encurralado no pênis ereto, o que acaba levando a lesões no tecido por falta de oxigenação. No priapismo, a ereção é involuntária e o processo é extremamente doloroso, sendo tratado como uma emergência médica.

A questão essencial aqui é compreender as razões pelas quais evoluiu um controle central inibitório com poder de veto às decisões dos mecanismos neurais filogenéticamente mais primitivos. Os comportamentos e ajustes fisiológicos necessários para a reprodução já eram eficazmente bem conduzidos em nossos antepassados, mas a seleção natural desenhou em nossa espécie um gerenciamento inibitório refreando, de acordo com as circunstâncias, a possibilidade de relacionamento sexual.

Para que um mecanismo neural sofisticado como este seja selecionado e mantido na evolução, é preciso que seus benefícios superem seus custos. Quais seriam exatamente estes benefícios? Uma perda de ereção parece  acarretar obviamente o custoso ônus de redução da chance de passar genes para as próximas gerações, o que aponta para uma contrapartida pesada em termos de benefícios, pois caso contrário este controle simplesmente não existiria.

Se consideramos o provável cenário onde nossa espécie evoluiu, é possível tecer hipóteses sobre as pressões seletivas que moldaram nosso cérebro e o controle neural de nosso aparelho reprodutivo. Dentro de um contexto de seleção sexual (quando características ou comportamentos são selecionados em função do impacto reprodutivo que exercem), é provável que a capacidade de controlar o impulso sexual masculino tenha apresentado vantagens. A teoria da seleção sexual tem sido resgatada na literatura atual, com o argumento de que as preferências por parceiros seriam uma poderosa força a moldar a natureza humana. Segundo Miller, a escolha sexual foi negligenciada mas é fundamental para a compreensão da evolução do corpo e da mente.

Nossa “aptidão inclusiva” (a capacidade de maximizar a passagem de genes às futuras gerações, incluindo os genes transmitidos através de parentes que sobrevivem e se reproduzem) não depende somente de copularmos indiscriminadamente, mas sim de sermos bem sucedidos na condução das delicadas etapas do desenvolvimento humano, desde a gestação, parto, infância, adolescência e maturidade reprodutiva, de modo que nossos descendentes possam também deixar descendentes.

Neste sentido, temos que considerar aspectos como o dano à reputação dentro da comunidade de hominídeos, no caso de um impulso sexual masculino irrefreado, ou a dificuldade de manutenção de um vínculo monogâmico com alta probabilidade de sucesso reprodutivo. Estes fatores poderiam exercer uma pressão seletiva no sentido de favorecer homens com maior controle inibitório. A mediação cognitiva exercida pelo córtex levaria a uma análise do contexto social mais apurada e mais sensível, freando a expressão do impulso sexual em condições onde a “aptidão inclusiva” sofresse redução. Isto explicaria, em termos evolucionários, a importância das crenças, esquemas e cadeias de pensamentos que são enfatizados pelos terapeutas cognitivos no tratamento da T.E. Psicogênico.

Estratégias Evolucionárias da Reprodução

A moderna biologia evolutiva elaborou dois conceitos adicionais sobre as estratégias da seleção sexual.

Em outras palavras, as espécies que adotaram a estratégia “K” são pais dedicados e monogâmicos enquanto os “r” são promíscuos e desertores da prole, nos casos extremos. Certos peixes que têm milhares de filhos mas em nada contribuem para sua sobrevivência exemplificam essa tendência – logo após o nascimento, a fêmea abocanha e come o mais que puder de sua prole. Já os mamíferos são normalmente mais “K” selecionados, uma vez que tem um longo período de gestação, poucos filhotes, grande investimento na gestação e amamentação, etc.

No reino animal, constata-se grande variabilidade no uso destas duas estratégias básicas de reprodução, dependendo basicamente das condições ecológicas conferirem mais genes transmitidos às futuras gerações em uma condição do que em outra. Em nossa espécie, encontramos diferenças individuais muito grandes, com poucos homens nos extremos e a maior parte ocupando posições intermediárias.
 
 

Psicopatas Se Reproduzem?

Alguns estudos tem relacionado o perfil de personalidade sociopata com um extremo de estratégia “r”. O sujeito sociopata, atualmente denominado portador do “Transtorno de Personalidade Antisocial” segundo o DSM IV, 1994), adota comportamentos que seguem a lógica do pouco investimento na prole, estuprando, enganando e mentindo para conseguir acesso sexual a mulheres, cometendo violência sexual, poligamia e depois migrando de forma nômade. São especialistas em espalhar os genes o mais possível sem acompanhar ou investir tempo, recursos e energia no desenvolvimento dos filhos. Nesta personalidades encontramos  características fortemente correlacionadas, como criminalidade, ausência de culpa, falta de laços interpessoais a longo prazo, agilidade verbal, charme, mobilidade geográfica, promiscuidade sexual, filhos ilegítimos, abandono de esposa e filhos, ausência de empatia, de medo de ser punido, elevada impulsividade e procura de sensações. No outro extremo, encontaríamos indivíduos introvertidos, confiáveis, com tendência maior à fidelidade, leais e comprometidos, devotados à família e aos filhos.

É possível imaginar que diferenças individuais no controle inibitório sexual se devam ao sucesso reprodutivo de determinadas linhagens. Alguns de nossos antepassados podem ter se beneficiado de maior controle, investindo mais na prole de um relacionamento monogâmico ou escapando de violentas competições com outros homens, por exemplo. Já outros teriam se reproduzido mais apesar dos riscos. Hoje encontraríamos essa característica distribuída na população ao longo de um continuum  maior –menor controle. Aqueles sujeitos no extremo do continuum de maior controle seriam candidatos potenciais a disfunções erécteis. Já os de menor controle teriam maior probabilidade de se engajarem em comportamentos sexuais arriscados e éticamente questionáveis, contrair SIDA e outras doenças sexualmente transmissíveis.

Dentro do modelo apresentado, torna-se possível integrar as causas próximas com as últimas no que se refere ao neurotransmissor serotonina.  Homens com maior nível de serotonina tem maior controle de impulsos em geral, e particularmente do impulso sexual, alem de menor agressividade e ansiedade. É possível, portanto, que estes sujeitos exibam uma estratégia reprodutiva “K”, enquanto aqueles com baixo nível de serotonina seriam estrategistas “r”, pois apresentariam impulsividade, menor controle do impulso sexual e agressividade elevada, nos casos extremos apresentando um perfil de sociopatia.

Se esta hipótese está correta, uma predição importante seria verificar baixos níveis deste neurotransmissor em sociopatas. Uma série de estudos encontrou precisamente esta relação; sociopatas, criminosos e outros indivíduos com elevado escore em medidas de agressividade e impulsividade tem níveis significantemente mais baixos do metabólito da serotonina 5-HIAA.

Na mulher, altos níveis de serotonina podem inicialmente aumentar a probabilidade de aceitação de sexo, pois a ansiedade e a resistência são reduzidos. No entanto, com níveis crônicamente altos como sob efeito de antidepressivos ocorre redução do desejo sexual e inibição do orgasmo, as vezes até impedindo a resposta orgástica. Já as mulheres com baixos níveis de serotonina são mais excitáveis e atingem facilmente o orgasmo, alem de exibirem mais iniciativa e agressividade, tomando freqüentemente as rédeas do relacionamento sexual. Quando sob dependência crônica de anfetaminas, o que reduz dramáticamente a serotonina, mulheres sofrem um aumento na promiscuidade, na masturbação compulsiva, nas fantasias sado-masoquistas e na prostituição. Nos modelos animais, nota-se um comportamento sexual violento, perverso, agressivo e homicida, com tortura, ferimentos e até canibalismo durante o coito. Verifica-se perda da seletividade sexual, com os animais copulando com até com parceiros mortos. O padrão heterossexual é rompido, com os animais com níveis artificialmente rebaixados de serotonina adotando compulsão sexual, participando de sexo grupal violento e escolhendo indiscriminadamente parceiros de mesmo gênero.

Em termos de funções evolucionárias, é possível que níveis altos ou baixos de serotonina disparem formas de comportamento sexual que aumentaram a probabilidade de nossos antepassados passarem os genes para o futuro em um contexto ou outro, de forma adaptativa. Frente a um ambiente estressor, agressivo, onde a sobrevivência pode ser curta, é mais lucrativo em termos Darwinistas apostar na reprodução rápida e sem investimento, enquanto um meio estável aufere mais ganhos com o zelo à reputação social, laços monogâmicos e forte investimento parental.

Nossas ancestrais perderam, ao longo da evolução, os sinais visíveis da ovulação. A estratégia r de reprodução, que implicava em aumento da chance de deixar descendentes pelo estupro de fêmeas férteis, foi desta forma desestimulada. Permanecer copulando com a mesma parceira passa a ser mais eficaz para insemina-la neste caso, diferentemente de primatas cujas fêmeas exibem displays de que estão em fase fértil, quando uma única relação forçada poderia atingir o objetivo de passar os genes para o futuro.

No passado evolutivo, o assédio certamente era mais freqüente às mulheres, mas a teia de relações sociais e de parentesco funcionava como proteção ao abuso. Os parentes masculinos da mulher, as amigas e os parceiros sexuais oficias e clandestinos exerciam controle social sobre os potenciais agressores sexuais, aumentando os custos dramáticamente para o estupro. Somente os indivíduos que não fossem penalizados pelos danos reputacionais e pelo revide dos membros da comunidade poderiam ter suficientes vantagens em relações sexuais forçadas para manter este padrão de conduta geração após geração. Justamente o que se observa em sociopatas e sujeitos r selecionados é sua natureza nômade. Tipicamente, exploram e enganam, roubam e violentam e migram em seguida, evitando as penalidades sociais da comunidade atingida.

No ambiente social complexo em que nossos antepassados evoluíram, muitas situações requeriam controle da sexualidade. O homem que assediasse  sexualmente mulheres seria morto ou expulso das comunidades ancestrais. Já os sujeitos com maior sensibilidade às condições sociais cercando situações de acasalamento deixariam mais genes replicando-se na futuras gerações do que aqueles despreparados para refrearem seus impulsos.

Mas como se processa este controle neural dos impulsos em função do contexto social? O córtex cerebral pode produzir a disfunção erétil acionando e enviando mensagens que estimulam os neurônios do Núcleo Paragigantocelular (P.N.G.). Possivelmente, os lobos frontais, e em especial os córtices pré-frontais, exercem uma influência decisiva no  controle da ereção, embora as vias envolvidas sejam ainda pouco conhecidas. O córtex pré frontal avalia situações e toma decisões baseadas no contexto, sendo apontado como responsável pelo gerenciamento ético de nosso comportamento, em parte devido à sua capacidade inibitória, adiando a gratificação dos impulsos. É justamente o córtex pré-frontal que está implicado na conduta sociopática- pacientes com lesões frontais passam a agir impulsivamente, não controlando mais seus impulsos sexuais, como no caso clássico de “Phineas Gage”, descrito pelo neurólogo Antonio Damásio.

É interessante notar que os psicólogos que tem estudado os mecanismos de seleção de parceiros (mate selection) através de uma ótica evolucionária identificaram preferências reveladoras no que se refere à escolha das mulheres sobre características masculinas consideradas por estas como sexualmente desejáveis. Segundo esta linha de argumentação, as mulheres seriam altamente seletivas, impondo uma série de requisitos para permitir acesso sexual. Em se tratando de um relacionamento a longo prazo, os critérios são diferentes para escolher o parceiro do que quando o contexto envolve um relacionamento de curta duração. Em um relacionamento duradouro, as mulheres mais monogâmicas e r selecionadas teriam preferência por demostrações de interesse e persistência, uma vez que é crucial avaliar o investimento do sujeito em termos de estabilidade na relação monogâmica antes de permitir o acesso sexual. Os sujeitos com maior autocontrole seriam favorecidos conquistando fêmeas da alto valor reprodutivo para relacionamentos duradouros.

Uma elevada seletividade e a exigência de uma série de requisitos seriam característicos das fêmeas humanas , uma vez que os seus recursos reprodutivos devem ser administrados cautelosamente Uma mulher não aumentaria, no cenário do período Pleistoceno onde evoluimos, o número de genes passados às futuras gerações simplesmente copulando com mais parceiros, mas sim escolhendo parceiros que tenham probabilidade, avaliada através de uma série de indicadores fisiológicos ou comportamentais, de permanecer ao seu lado oferecendo recursos e proteção durante a gestação, amamentação e crescimento da prole.

No caso de um cenário evolutivo favorecendo laços monogâmicos, o homem precisaria demostrar comprometimento durante um longo período de avaliação para ser aceito sexualmente –daí o romantismo. Dentre os requisitos, a própria capacidade de controlar os impulsos poderia ser objeto da seleção sexual, uma vez que envolve um gerenciamento do comportamento em aspectos críticos, como agressão, fidelidade, manutenção de laços sociais, etc. Um sujeito com estas habilidades de gerenciamento seria preferido pelas mulheres, passaria seus genes carregando esta tendência à frente, em um processo de seleção sexual que pode ter, ao longo de milhares de gerações, construído sistemas neurais de controle da ereção e do impulso sexual altamente sensitivos quanto à variáveis sociais e emocionais.

Conclusão

Observada sob um prisma evolucionário, a impotência sexual masculina de origem psicológica passa a ser encarada como decorrência de um mecanismo psicológico sofisticado que evoluiu como uma adaptação, ou seja, um traço fenotípico desenhado pela seleção natural, com especial ênfase na seleção sexual. A disfunção em si não foi selecionada, mas sim a capacidade de inibição do impulso sexual em contextos sociais apropriados.

Segundo os conceitos mais modernos da biologia evolucionária, sugerimos que o transtorno erétil psicogênico ocorre mais freqüentemente em sujeitos descendentes de linhagens selecionadas pelo investimento parental e relações interpessoais colaborativas (K selecionados). Os sujeitos com perfil anti-social, egocêntricos e pouco investidores na prole e em relacionamentos (r selecionados) tem baixa probabilidade de apresentarem disfunções na ereção.

Novas investigações da neurobiologia do transtorno erétil psicogênicol, norteadas pela teoria evolucionária, podem fornecer evidências que corroborem o modelo sugerido.

Para Saber Mais

O Autor

Prof. Marco M. Calegaro, M.Sc.
Psicólogo - CRP 12/00582
Mestre em Neurociências - UFSC 1998
Professor da UNISUL
Email: calegaro@newsite.com.br
 


Publicado em 30 de junho de 2002
Revista Cérebro & Mente
Copyright 2002 Universidade Estadual de Campinas
Uma Iniciativa: Núcleo de Informática Biomédica