Por que a imagem de um bebê nos encanta?

Dra. Silvia Helena Cardoso, PhD

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A visão de filhotes e bebês invariavelmente causa sentimentos de ternura e encantamento em pessoas de praticamente todas as idades. Nessas pessoas, a imagem evoca muitas vezes um poderoso impulso de tomá-los no braços, beijá-los e mimá-los, como se fossem suas próprias "crias".

O que causa isso? Porque esse estímulo é tão poderoso? Hoje sabemos que em parte eles são devido a mecanismos inatos do nosso sistema sensiorial, ou seja, que não foram aprendidos, mas, sim, herdados geneticamente. Embora o ser humano seja extremamente influenciado pela educação, cultura e ambiente, sabemos que uma parte considerável de nossos comportamentos se baseiam em sistemas e processos inatos, como estes mecanismos desencadeadores.

O famoso etólogo austríaco K. Lorenz (que recebeu o prêmio Nobel por seus trabalhos no estudo das bases biológicas do comportamento, foi o primeiro a sugerir, em 1943, que essas reações não são devidas ao aprendizado cultural, como se imaginava, mas que muito provavelmente seria o resultado de uma adaptação biológica de valor evolutivo, que moldou o nosso sistema nervoso a "reconhecer" automaticamente as características anatômicas típicas de bebês e reagir de forma protetora em direção a elas, dando, portanto, uma vantagem de sobrevivência a este comportamento. Ele chamou esse conjunto de características, em alemão, de "Kindchenschema" (padrão de criancinha).
 
 

Proporções consideradas "encantadoras
As características desencadeadoras são: 
  • O tamanho maior da cabeça em relação ao tronco;
  • O crânio com a fronte arredondada e saliente; 
  • Olhos grandes situados debaixo da linha média do conjunto do crânio; 
  • Extremidades curtas, rechonchudas e arrendondadas 

  • Bochechas redondas e salientes, nariz pequeno.

Ilustração original da comparação de Lorenz entre padrões visuais da cabeça de um adulto e de um bebê. As formas arredondadas encantam os adultos e isto tem um valor adptativo.
Quando qualquer imagem ou ser vivo, humano ou não humano, apresenta este conjunto de características, tipicamente desencadeia a reação afetiva a que nos referimos acima.

Outro etólogo alemão, B. Hückstedt, estudando em 1965 quais seriam as características anatômicas essenciais para provocar a sensação de encantamento, demonstrou experimentalmente que são a frente arredondada e o crânio relativamente grande. 

Até animais-bebê funcionam quanto a este mecanismo desencadeador, como provou muito bem o pesquisador P. Spindler (1961). Ele estudou a reação "maternal", oferecendo a pessoas gatos de diferentes idades. A reação típica (afeto, alegria, inclinação da cabeça para um lado, palavras carinhosas) ocorria muito mais quando elas pegavam filhotes do que gatos com mais idade.

Exagero dos caracteres infantis nos brinquedos e na indústria cinematográfica. Observam-se as formas 
arredondadas e a relação cabeça-tronco ou seja, a cabeça desproporcional em relação ao tronco. Formas arredondadas, pequenas, nariz arrebitado, olhos e cabeça grande em relação ao resto do corpo são traços essenciais.
As indústrias de brinquedos e a indústria cinematográfica de animação, como os filmes de Walter Disney, usam e busam desses conhecimentos para construir seus modelos e desenhos que ativam o comportamento de encantamento das pessoas.

Note, por exemplo, como qualquer pessoa é capaz de reconhecer imediatamente que Bambi e o coelhinho Tambor, assim como os sobrinhos do Pato Donald, são crianças.



Em homenagem às figuras encantadoras e evocadoras de carinho dos bebês, oferecemos ao leitor a apreciação de nossa
galeria de fotos de Animais-Bebês na Neuroscience Art Gallery de julho de 2002.



Referências

K. Lorenz (1943). Die angeborenen Formen möglicher Erfahrung. Z. Tierpsycholog., 5, 235-249

B. Hückstedt (1965). Experimentelle Untersuchungen zum Kindchenschema. Z. exp. U. angew Psychol., 12, 421-450

P. Spindler (1961). Studien zur Vererbung von Verhaltensweisen. 3. Verhalten gegenüber jungen Katsen. Anthrop. Anz., 25, 1, 60-80


Silvia Helena Cardoso, PhD. Psicobióloga, mestre e doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo e pós-doutorado pela Universidade da Califórnia em Los Angeles. Pesquisadora associada do Núcleo de Informática Biomédica, UNICAMP, Campinas, Brasil. Diretora e Editora-chefe da revista Cérebro & Mente e editora associada da Intermedic e Informática Médica, revistas em Internet e Medicina.