Prezado Dr. Fragomeni
Acuso e agradeço o recebimento do artigo intitulado "A catapulta do
emocional". Conforme sua solicitação, apresento-lhe, a seguir, minhas
considerações sobre o mesmo.
A teoria de que o neocortex não passa de um órgão criado pela experiência
de vida é defendida por diversos estudiosos. Segundo eles, ao longo do processo
evolutivo, mutações diversas foram selecionando caracteres capazes de conferir a
diferentes espécies, vantagens capazes de garantir-lhes a sobrevivência, na
intensa luta contra tudo e todos, que caracteriza a vida. Estas vantagens podem
ser, por exemplo, a capacidade de mimetizar seu ambiente passando despercebido;
membros fortes que permitem alcançar grandes velocidades e, desta forma, mais
facilmente fugir de predadores e/ou alcançar suas presas preferidas;
desenvolvimento de sentidos (visão, olfato, etc..) altemente especializados,
acurados e discriminativos, etc.. Com certeza o desenvolvimento de um sistema
capaz de armazenar milhares/milhões de informações sobre sinais referentes a
perigos, possibilidades de alimentação e acasalamento, além de integrar e
coordenar as diferentes funções fisiológicas do organismo, é altamente positivo,
equipando os seres para melhor preservar suas vidas individuais e garantir a
sobrevivência das espécies. A sobrevivência dos mais aptos foi permitindo a
transmissão de suas mutações favoráveis e o aperfeiçoamento de suas
expressões.
Com certeza, muito ainda permanece por esclarecer neste campo. É plausível,
porém, admitir a evolução de seres hominídios, com sistemas nervosos cada vez
mais apurados, a partir do exito, em termos de sobrevivência, de descendentes de
proto-homens cujos sitemas nervosos, por razões desconhecidas, sofrerem mutações
favoráveis.
É interessante assinalar que alguns estudiosos do campo das neurociências,
consideram ser o homem uma espécie inviável, fadada ao fracasso, em decorrência
da incapacidade de harmonizar seu cérebro novo (neopalio), com os seus cérebros
mais antigos.
Para outros autores, no entanto, as emoções representam um aspecto
dinamogênico, indispensável à preservação da vida.
Abre-se pois um campo de opiniões divergentes cujas origens já podem ser
reconhecidas em antigos debates filosóficos sobre a pugna entre as paixões e a
razão, inclinando-se alguns pensadores por esta e outros por aquelas.
Referindo-nos ao terreno filosófico, sua descrição da pulsão de vida
fez-nos imediatamente pensar na vontade, tal como a descreve Shopenhauer, em seu
livro "O mundo como vontade e representação". Comentando a filosofia
schopenhauriana resume Sprigge que "o universo é uma única, vasta, Vontade
Cósmica de Existir que se auto-vivencia através de uma aparente diversidade de
seres conscientes em um mundo espaço-temporal e determinístico". As implicações
metafísicas são evidentes, mormente sabendo-se que Schopenhauer admirava os
Upanishad, que pregam ser o mundo a corporificação de Brahman. A vontade seria
pois uma enteléquia a governar as diferentes manifestações do mundo. E
pareceu-nos captar em seu artigo uma admissão desta enteléquia uma vez que em
duas ocasiões o senhor menciona o surgimento de mutações de virus, consequentes
a uma "intenção" da pulsão de vida em destruir a espécie humana. É uma hipótese
filosófico/religiosa, defensável dentro desta área, porém não é cientificamente
verificável.
Também não cientificamente verificáveis são suas afirmações que "o homem
perfeito, simbolizado em Jesus Cristo, seria um ser com a potencialidade do
neocortex totalmente "ativada" " e, mais adiante, "a intermediação para
que houvesse uma plenitude da manifestação deste conhecimento dar-se-ia através
da atuação de um fator intermediário, o emocional, o que assemelha-se àquele que
está simbolizado no Espirito Santo". Estamos aqui no campo religioso, não
comprovável, baseado na autoridade dogmática de textos religiosos, ditaddos em
épocas e lugares diferentes, por Deus ou seus mensageiros a homens/mulheres
escolhidos, textos estes que se contradizem frontalmente, albergando proposições
radicalmente antagônicas.
Concordo que a vivência religiosa seja extremamente importante para muitos
seres humanos, mas isto não garante a sua realidade transcendental. Compartilho,
neste assunto, da opinião de Carl Gustav Jung que, em seu livro "Psicologia e
Religião", menciona que "o termo religião expressa a atitude particular de uma
consciência transformada pela experiência do numinoso", advertindo, porém, que
'o psicologo orientado cientificamente deve desatender a pretensão de todo credo
a se proclamar verdade única e eterna. Dado que se ocupa da vivência religiosa
primordial, deve centrar sua atenção no apecto humano do problema religioso,
fazendo caso omisso do que com ela fizeram as denominações".
Tendo em vista estas considerações, minha opinião é que seu trabalho deve
ser encaminhaddo para uma publicação dedicada a temas filosóficos e religiosos e
não para Cérebro e Mente, que é uma revista especializada em neurociências. De
qualquer forma estarei submetendo seu artigo, juntamente com estas minhas
observações, à apreciação dos demais membros do Conselho Editorial da revista
Cérebro e Mente.
Atenciosamente,
Julio Rocha do Amaral