Aprendizagem e Mudanças no Cérebro

Silvia Helena Cardoso, PhD e  Renato M.E. Sabbatini, PhD




Até há pouco tempo, os neurocientistas acreditavam que, uma vez completado seu desenvolvimento, o cérebro era incapaz de mudar,  particularmente em relação às células nervosas, ou neurônios. Aceitava-se o dogma segundo o qual os neurônios não podiam se auto-reproduzir ou sofrer mudanças significativas quanto às suas estruturas de conexão com os outros neurônios. As conseqüências práticas dessas crenças implicavam em que: a) as partes lesionadas do cérebro, tais como aquelas apresentadas por vítimas de tumores ou derrames, eram incapazes de crescer novamente e recuperar, pelo menos parcialmente, suas funções e b) a experiência e o aprendizado podem alterar a funcionalidade do cérebro, porém não sua anatomia.

Parece que os neurocientistas estavam errados em ambos os casos. As pesquisas dos últimos 10 anos têm revelado um quadro inteiramente diferente. Em resposta aos jogos, estimulações e experiências, o cérebro exibe o crescimento de conexões neuronais. Embora  os  pioneiros da pesquisa em comportamento biológico, tais como Donald Hebb, do Canada e Jersy Konorski, da Polônia, acreditassem que a memória implicava em mudanças estruturais nos circuitos neurais, ainda não se dispunha de evidências experimentais que comprovassem essa noção.

Em experiências realizadas com ratos, a neuroanatomista americana Dr. Marian Diamond foi capaz de demonstrar que os animais que foram criados em um ambiente enriquecedor -- uma gaiola cheia de brinquedos e dispositivos tais como bolas, rodas, escadas, rampas, etc. -- desenvolviam um córtex cerebral significativamente mais espesso do que aqueles criados em um ambiente mais limitado, sem os brinquedos ou vivendo isolados.  O aumento da espessura do córtex não era devido apenas a um maior número de células nervosas, mas  havia também um aumento expressivo de ramificação de seus dentritos e das interconexões com outras células.
 


Ambiente pobre em objetos


Um ambiente enriquecedor, que permite os ratos interagir com os brinquedos em suas gaiolas, provoca mudanças anatômicas no córtex cerebral. 

O gráfico à esquerda mostra como o número médio de ramificações observadas nas células estelares, que são encontradas na quarta camada do córtex visual do rato, é maior  nos animais criados em ambientes enriquecedores (reta identificada como EC, isto é, condição enriquecedora) do que nos animais criados juntos em grupos sociais, (identificados como SC, ou condição de grupo social), porém desprovidos de brinquedos. Por sua vez, os ratos SC apresentam um número maior de ramificações nas células estelares do que os animais criados isolados e sem brinquedos (IC, ou grupo de condição de isolamento). Uma diferença ainda maior pode ser vista nas ramificações de quarto e quinto nível. Em outras palavras: as ramificações originadas do corpo da célula não aumentam devido a uma experiência sensorial, motora ou social mais rica; o inverso é verdadeiro para as ramificações no ponto dos longos processos neuronais.  Isso constitui uma evidência de que as células estelares crescem e geram novas ramificações naquelas pré-existentes, e isso é um resultado revolucionário.

As partes das células estelares que crescem são os dendritos. É através dos dendritos que um neurônio recebe os impulsos nervosos de outras células, que são transmitidos através do corpo celular e a partir daí para o axônio. Consequentemente, o crescimento das ramificações dos dendritos só pode significar que os processos de intercomunicação nas células do córtex aumentaram e que mais dendritos tornam-os mais efetivos em termos de regulação da atividade dos circuitos neuronais.

Esse crescimento acontece também nos seres humanos?

Parece que sim,  embora ainda não existam evidências diretas, tais como as observadas por Diamond em ratos. Porém, sabemos que as tarefas de ativação mental são acompanhadas por muitas mudanças, tais como mudanças no metabolismo cerebral (consumo de glucose por células cerebrais, aumento do fluxo e temperatura do sangue etc.  Essas mudanças podem agora ser observadas diretamente através de novos instrumentos de imagens computadorizadas, como por exemplo as imagens por ressonância magnética funcional (fMRI) e a tomografia de emissão de pósitron (PET).
 


Fluxo Sanguíneo Cerebral (CBF) durante uma tarefa de ativação mental. O sujeito controle normal, linha de base (esquerda) e tarefa matemática (direita). Nesse indivíduo, o aumento da perfusão durante as tarefas matemáticas é visível tanto na área frontal  inferior e parietal  esquerda. 
Fonte: Villanueva-Meyer et. cols. - Alasbimn Journal

A conseqüência prática do conhecimento de que as células nervosas crescem e se modificam em resposta às experiências e aprendizagem enriquecedoras é extraordinária:

A educação de crianças em um ambiente sensorialmente enriquecedor desde a mais tenra idade pode ter um impacto sobre suas capacidades cognitivas e de memória futuras.  A presença de cor, música, sensações (tais com a massagem do bebê), variedade de interação com colegas e parentes das mais variadas idades, exercícios corporais e mentais podem ser benéficos (desde que não sejam excessivos).   Na verdade, existem muitos estudos mostrando que essa "estimulação precoce" é verdadeira.  Ainda precisamos provar se isso provoca um crescimento no cérebro das crianças, como acontece com os ratos;
Pessoas que sofreram lesões em partes de seus cérebro, podem recuperar parcialmente as funções perdidas submetendo-se a estimulação mental intensa e diversificada, de maneira análoga à fisioterapia para os músculos debilitados;
Alimentos ou drogas artificiais que aumentem a ramificação dos dendritos,  o crescimento dos neurônios e seu aumento de volume podem ajudar na melhora do desempenho mental e memória nas pessoas normais ou em pacientes com doenças degenerativas do cérebro, tais como Alzheimer.
Na verdade, um estudo pioneiro realizado por Dr. David Snowdon um neurocientista da University of Kentucky com freiras católicas vivendo em um convento no norte dos Estados Unidos, revelou fatos assombrosos que apoiam a teoria da estimulação cerebral. Essas freiras foram escolhidas porque parecem apresentar uma longevidade maior que o resto da população: várias delas já haviam atingido mais de cem anos de idade.  As freiras que viveram mais e que mostravam uma melhor saúde mental eram quase sempre aquelas que praticavam atividades tais como pintura, ensino e palavras cruzadas, que exigiam um constante "exercício mental".
 De fato, Dr. David Snowdon surpreendeu-se ao observar nos exames post-mortem dos cérebros doados pelas freiras falecidas, que alguns que estavam com melhores condições mentais devida a essa rica estimulação, apresentavam todos os sinais da insidiosa doença de Alzheimer. Essa doença degenerativa nervosa, altamente incapacitante, aparece em cerca de 20% de todas as pessoas com mais de 80 anos de idade, e se caracteriza por inúmeras alterações patológicas dos neurônios, e pela morte maciça de células, especialmente as células corticais. Isso provoca profunda perda de memória, e outros tipos de deterioração do comportamento e da personalidade.

Conclusões

O crescimento neuronal e a regeneração enquanto resposta a fatores ambientais já não parecem impossível, devido ao que a neurociência já tem revelado em experiências com animais e seres humanos.  Este conhecimento, de par com a descoberta dos mecanismos que tornam isso possível constituirá um portão para um futuro fantástico para a humanidade; um futuro onde talvez possamos manipular e influenciar nossas próprias capacidades mentais de um modo inteiramente imprevisível. Isso tem constituído o sonho duradouro tanto da ciência como da ficção científica e talvez estejamos situados no limiar de sua realização.
 

Os Autores


Silvia Helena Cardoso, PhD. Psicobióloga, mestre e doutora em Ciências. Fundadora e editora-chefe da revista Cérebro & Mente. Universidade Estadual de Campinas. 

Renato M.E. Sabbatini, PhD. Diretor Associado do Núcleo de Informática Biomédica, Universidade Estadual de Campinas. 


 

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