PSICOLOGIA, GENÉTICA COMPORTAMENTAL E A CAUSALIDADE DO COMPORTAMENTO:


 


A genética comportamental é uma disciplina científica que estuda os mecanismos genéticos e neurobiológicos envolvidos em diversos comportamentos animais e humanos. Podemos caracteriza-la como uma área de intersecção entre a genética e as ciências de comportamento. A engenharia genética forneceu as ferramentas necessárias ao estudo do comportamento associado à genética molecular. Isto permite que, progressivamente, possamos avançar na identificação de genes capazes de modular certos comportamentos, e de entender como estes genes interagem com o ambiente na formação de traços normais e patológicos da personalidade humana. O impacto dessa área de conhecimento na Psicologia é tremendo. Estamos vivendo uma verdadeira revolução no entendimento das causas do comportamento.

No entanto, a Psicologia aqui no Brasil parece desconhecer completamente estes avanços. Um conjunto de premissas teóricas e metodológicas que podemos chamar de “modelo padrão de causalidade do desenvolvimento da personalidade” exerce um efeito profundo sobre a população leiga e, infelizmente, na maioria dos profissionais em psicologia. A expressão “efeito paradigma” cunhada pelo cientista social Joel Barker aplica-se neste caso- o paradigma tradicional filtra a percepção de modo a impedir a emergência de um novo paradigma.

A história da rejeição dos achados da genética tem um ponto importante nas idéias nazistas. O nazismo tentou usar a genética para amparar sua teoria da superioridade ariana, considerando negros, ciganos, eslavos, retardados e deformados genéticamente inferiores, e os enviando a campos de extermínio. É desnecessário comentar que essa interpretação é pura fantasia de mentes doentias e não tem qualquer embasamento científico.

A psicologia americana na época da segunda guerra mundial era radicalmente ambientalista, e em função da associação “nazismo-genética” afastou-se ainda mais dessa ciência. Admitir diferenças genéticas entre João e Pedro em habilidades cognitivas, por exemplo, seria aceitar os pressupostos que justificariam o fascismo e o racismo. Até hoje encontramos essa concepção no meio acadêmico de esquerda da Psicologia. Apesar de partilhar da preocupação em rechaçar ideologias de extrema direita, acredito que não é mais possível sustentar este tipo de crítica à genética pois é baseada em um equívoco grosseiro.

Uma outra concepção que afasta as pessoas do reconhecimento das contribuições da genética comportamental é a posição já ultrapassada do “determinismo genético”, combinada ao que é referido na literatura (Rachels, 1991) como “falácia naturalista”. O “determinismo genético” postula que certos aspectos nossa personalidade e nosso comportamento seriam definidos por nossos genes, de modo inescapável. Essa posição está completamente ultrapassada, sabemos hoje que todo comportamento depende, em maior ou menor grau, de fatores genéticos e de fatores ambientais, interagindo de maneira extremamente complexa.

A palavra determinação é equivocada, e deve ser substituída por expressões como tendências, propensões ou influências genéticas. Os genes definem tendências, mas são as experiências individuais que, sempre, as modulam. Qualquer gene precisa, para haver a chamada expressão adequada, de determinadas circunstâncias externas, sejam bioquímicas, físicas ou fisiológicas. A pergunta clássica “este comportamento é herdado ou adquirido pela experiência” perde completamente o sentido, dando lugar à difícil questão “como é que os genes interagem com o ambiente na produção deste comportamento?.”

A “falácia naturalista” (Rachels, 1991) é outra noção perigosa, mas espantosamente difundida. Refere-se a um equívoco na interpretação da teoria de evolução, estendendo-se a qualquer característica que seja diretamente influenciada pelos genes. Refere-se ao salto entre aquilo que “é” para o que “deve ser”. Ou seja, cair na “falácia naturalista” é concluir que, se nossa espécie apresenta uma característica comportamental com modulação genética (aquilo que é), então esse seria o padrão “natural” ou “correto” de conduta (aquilo que deve ser). Em um exemplo, se as pesquisas demontram uma forte tendência masculina para a infidelidade conjugal (Buss, 1994), e admitindo-se uma base genética para esta diferença sexual, não poderíamos sustentar a inevitabilidade da traição masculina, uma vez que é o comportamento “natural”? A resposta é um sonoro “não”!

Darwin concebeu a seleção natural como um processo mecânico, sem planejamento antecipado e sem qualquer implicação moral. O certo ou errado, no sentido daquilo que deveria ser,  não pode ser deduzido a partir da teoria darwiniana, embora esta teoria possa nos dizer como evoluiram nossos sentimentos morais.  Portanto, a tentativa de atribuir valores morais a um comportamento pelo fato dele ter sido selecionado não tem qualquer sentido. A propensão genética para a infidelidade não a torna inevitável (os homens podem perfeitamente controlar este impulso) ou moralmente aceitável.

Para compreender as contribuições da Genética Comportamental para a Psicologia é necessário discorrer um pouco sobre um conceito importante desta disciplina, mas que freqüentemente é mal interpretado: a herdabilidade (heritability). Herdabilidade é uma medida estatística que é expressa como um percentual. Essa percentual representa, em última análise, a extensão em que os fatores genéticos contribuem para variações, em um dado traço, entre os membros de uma população.

Se afirmamos que um traço é 50% herdado, isto tem que ser entendido como afirmar que metade da variância naquele traço está ligado à hereditariedade. Herdabilidade é um modo de explicar as diferenças entre as pessoas. No entanto, isso significa que a influencia dos genes em um determinado traço será elevada se a herdabilidade também for alta.
É evidente que a quantificação da influência dos genes em um dado traço não implica no “determinismo genético”. Biologia não é destino, e os recentes estudos em genética comportamental na verdade confirmam a importância dos fatores ambientais. Mesmo uma característica fortemente hereditária como a fenilcetonúria pode ter a sua expressão fenotípica modulada de modo decisivo pelo ambiente. Alterações nutricionais podem permitir uma vida normal aos portadores destes genes -mas que sem essas mudanças da dieta certamente desenvolveriam o problema.

Na realidade, o percentual de herdabilidade não é algo fixo, estático. O conceito só adquire seu significado se partirmos do pressuposto de que os fatores ambientais ocorrem de modo mais ou menos homogêneo em uma dada população. Na medida em que existe uma influência atípica de algum fator, o meio passa a ser mais responsável, em termos relativos, pelas diferenças observadas entre os sujeitos.

Um outro aspecto importante que ocasiona confusão e mal-entendidos é a chamada influência poligênica. O comportamento não é diretamente influenciado pelos genes, no sentido de uma relação de 1: 1 entre um gene e um comportamento. A maioria das características complexas é modulada pela ação de vários genes, o que também é chamado de influência poligênica. Na realidade, quem produz o comportamento é o cérebro, através do processamento que ocorre em circuitos neurais específicos. Mas são os genes que influem poderosamente no desenho do cérebro, predispondo o organismo a responder aos estímulos de certo modo -com uma preferência por certas classes de estímulos, por exemplo.

Cada célula nervosa expressa genes que, em última análise, governam a síntese de determinadas proteínas. Um circuito neural envolvido com uma forma de comportamento requer normalmente todo um conjunto de proteínas (tanto estruturais como catalíticas) sintetizadas no tempo e lugar certos reger o desenvolvimento e a função desempenhada pelas células nervosas. E isso tudo é orquestrado pelos genes.

No entanto, apesar de muitas características sofrerem ação poligênica, as vezes um só gene pode ter efeitos  decisivos no comportamento. Pesquisas com animais muito simples, como o nematódio C. elegans, a mosca da fruta Drosophila melanogaster e  o camundongo Mus musculus revelam a importância de genes específicos no comportamento. Mesmo em animais complexos um único gene pode ser significativo.
 

Em humanos, na

O Autor

 

 
 
 

Prof. Dr. André Ramos (entrevistado)

Professor Adjunto da  disciplina de Genética
Departamento de Biologia Celular, Embriologia e Genética, CCB
Universidade Federal de Santa Catarina
Florianópolis, SC,  Membro de banca examinadora em concurso público para Professor de Genética na Universidade do Estado de Santa Catarina, 1994
 Membro de banca examinadora de Dissertação de Mestrado em Farmacologia da UFSC, 1999, Membro do corpo editorial da Revista Biotemas, periódico científico do CCB, UFSC, 1998-1999, Assessor ad hoc da FAPESP
 

Prof. Marco Calegaro (entrevistador)