Cogito, ergo sum! 
Penso, logo existo! 
René Descartes - Discurso do Método, 1637 DC
O Pensamento
Mapeamento de Imagens por Ressonância Magnética Nuclear Funcional



R. Gattass , J. Moll, P. P. Magalhães,  M. F. Farias, P. Ventura e P. H. Feitosa

 
O pensamento é uma atividade mental organizada, com alto grau de liberdade, não limitada ao mundo físico. É um processo organizado de representação neural que forma um modelo mental para o planejamento, definição de estratégias, previsões e soluções de problemas. Este processo envolve a correlação e a integração de eventos críticos no tempo e no espaço.

A capacidade de planejamento, de definição de estratégias e de programação de atividades, permeia praticamente todas as atividades do ser humano. Na etapa de planejamento, o indivíduo analisa possíveis interpretações e tendências para definir o melhor ou mais efetivo curso de ação.

Na etapa de previsão, o indivíduo analisa uma seqüencia de eventos para antecipar o futuro; verificar a lógica e coerência dos fatos, verificar hipóteses e fazer reflexão sobre possíveis cursos de ação.

Nesta etapa, o indivíduo define uma estratégia, constrói um determinado enredo e o ensaia figurativamente (mentalmente), examinando as alternativas e opções a cada fase do processo. Para a solução de problemas, o indivíduo exercita alternativas e soluções formais ou abstratas, analisando riscos e resultados.

Ainda com o pensamento, o indivíduo estuda e racionaliza sobre a origem de seqüências de eventos da sociedade, do mundo e do universo. O pensamento é importante para a comunicação entre indivíduos, para análise de eventos imaginários e abstração do mundo físico.

A sua natureza pode ser entre outras analítica, verbal, simbólica ou abstrata. No pensamento analítico o indivíduo coordena de forma lógica modelos mentais relacionados com o objetivo de prever ou inferir um resultado. No caso de pensamento verbal, o indivíduo vivencia o pensamento como se estivesse ouvindo sua voz. Através da linguagem, o indivíduo traduz sentimentos e relatos em palavras, num contexto semântico e sintáxico. No pensamento simbólico o indivíduo analisa um modelo formal, como uma estrutura tridimensional de uma proteína ou de um prédio, avaliando em cada ponto a perspectiva daquele ponto de visada.

O pensamento musical e de relação entre línguas está incluído na categoria de pensamento simbólico. O pensamento abstrato é livre. Os modelos mentais formados neste tipo de pensamento são desvinculados do mundo físico e muitas vezes representam eventos imaginários, como o de imaginar um elefante voar. Nesse tipo de pensamento a intuição substitui a lógica na avaliação da relação entre os modelos mentais.

A correlação entre a cópia eferente nos sistemas motores e a percepção sensorial, assim como a análise dos sonhos, podem nos ajudar a entender os princípios de organização das redes neurais envolvidas na geração do pensamento.

No caso do sistema motor, quando uma área do córtex envia um comando para um músculo, essa mesma área envia uma cópia desse comando (cópia eferente) para outras estruturas sensoriais e motoras que fazem os ajustes da percepção e os ajustes posturais necessários para aquele movimento. Por exemplo: quando as áreas que comandam o movimento ocular, ao comandar os músculos extrínsecos do olho para movê-los, enviam cópias desses comandos para inibir as áreas de percepção visual.

Esta inibição é feita através da cópia eferente, de forma que a imagem retiniana durante o movimento rápido dos olhos não seja percebida pelo indivíduo. À semelhança dos sonhos o pensamento é livre e nele o indivíduo pode se ver como observador (da forma que vivenciamos um fato), ou como ator (numa perspectiva egocêntrica ou alocêntrica; isto é, o indivíduo pode se ver como ator de uma cena,ou como se ele estivesse ao longe).

É possível estudar o pensamento?

Na última década, o estudo do cérebro ganhou uma técnica de alta resolução espacial, capaz de produzir imagens de cortes tomográficos do cérebro com resolução de até 50 m m. Esta técnica de produção de imagens por ressonância magnética tem sido usada na clínica radiológica para o estudo da estrutura neuroanatômica do encéfalo. Mais recentemente, esta técnica evoluiu para mapear aspectos funcionais do cérebro, mais especificamente, para mapear o pensamento. A correlação de imagens por ressonância magnética durante a ação e o repouso, permitiu o desenvolvimento da ressonância magnética funcional. A atividade elétrica de redes de neurônios no neocórtex produz representações neurais que se expressam como percepções, sentimentos, atos motores, comportamentos, relógios biológicos, produção de fatores de liberação de hormônios e pensamentos. A atividade elétrica de conjuntos de neurônios que se expressam em pensamento produzem variações de propriedades magnéticas do tecido que podem ser visualizadas pela ressonância magnética funcional.

Exemplo de um Estudo de Ressonância Magnética Funcional (RMF)

Num experimento de RMF, um certo número de imagens são adquiridas durante o período de estimulação (ou de uma tarefa mental) e outro igual número é adquirido durante o período de repouso (ou de uma tarefa mental complementar). A descrição que se segue é de um experimento simples que adquire imagens durante a estimulação versus imagens durante o repouso. O mesmo paradigma poderia ser usado para uma tarefa que envolvesse por exemplo, a atenção. Neste caso, nós teríamos períodos "de estimulação" em que o voluntário estaria prestando atenção numa área da superfície corpórea comparados com períodos em que o voluntário estaria prestando atenção em uma outra região da superfície corpórea. A diferença dessas imagens estaria então relacionada a atenção e não à estimulação sensorial. Um outro exemplo de paradigma de ressonância magnética funcional seria de comparar seqüencias de ativação durante a programação e aprendizado de uma atividade motora, com o mesmo movimento já aprendido executado de forma automática. Neste caso, nós podemos tanto verificar a seqüencia de atuação durante o período de aprendizado, como identificar áreas mais relacionadas com o planejamento do ato motor do que com a sua execução.

Um Experimento Simples

Neste experimento procuraremos descrever as áreas do córtex cerebral responsáveis pelo processamento da informação tátil (tato). Assim, serão programados segmentos de experimento para a estimulação de segmentos da pele da mão, do tronco e do pé (Fig.1 - topo). A visualização das áreas do córtex ativadas pela estimulação sensorial permitirá descrever a localização e a organização topográfica das áreas somestésicas (do tato) do homem.
Neste experimento serão adquiridos conjuntos de imagens (imagens de 8 fatias do cérebro a diferentes alturas) durante o período de estimulação alternadas com conjuntos de imagens durante o repouso. A Figura 1 mostra um exemplo de três fatias. Assim, em cada ciclo estimulação e repouso nós teríamos adquirido oito conjuntos de 16 imagens de oito fatias do cérebro, totalizando 128 imagens. Em um segmento do experimento a estimulação de uma região do corpo, como a dos dedos da mão seria repetido 8 vezes resultando em um conjunto de 1024 imagens para cada área da superfície corpórea estudada (Fig.2). O experimento como um todo, estuda quatro regiões da superfície corpórea incluindo regiões da mão, da face, do tronco e do pé. Os dados constituem 4096 imagens obtidas em duas condições básicas: estimulação e repouso.
Tendo adquirido imagens em duas condições torna-se importante identificarmos quais áreas do cérebro possuem variação do sinal magnético que se correlaciona com a função repouso / estimulação ( Janela time course - Fig 3). O primeiro método desenvolvido para este fim foi o da promediação (tirar média) das imagens durante a estimulação seguida da subtração da média durante o repouso. Para este método a imagem é dividida em pixels (pequenos quadrados) em que cada elemento recebe um valor de intensidade da ressonância magnética. A operação de subtração feita pixel a pixel revela pequenas áreas de sinal diferencial repouso/estimulação. A diferença de ressonância pode então ser graduada e codificada em cores e superposta à imagem estrutural da fatia estudada (fatia à direita na figura 3) . Um outro método, que nós utilizamos atualmente é o de correlação entre o sinal magnético de cada pixel e a curva de estimulação. Este método de correlação permite uma análise mais geral da correlação estimulação/repouso, além de possibilitar análise de correlações múltiplas quando o experimento é feito com mais de duas variáveis.

O método utilizado envolve a aplicação de tratamento estatístico que correlaciona a variação de intensidade de sinal em cada voxel (pixel tridimensional) da imagem com uma curva determinada de acordo com os períodos de estimulação e controle (cross-correlation analysis). O limiar de correlação utilizado será de 0,7 ou seja, todos os pixels cuja correlação é menor que 0,7 são desconsiderados. Com isso obter-se-á um mapa de todos os pixels que ultrapassavam esse coeficiente de correlação. Para aumentar a especificidade do estudo, aplicar-se-á sobre esses mapas de correlação a técnica de agrupamento (Fig.4). Assim, só as áreas nas quais três ou mais pixels vizinhos excederem o coeficiente são consideradas como ativação real. Esse tipo de procedimento descarta em grande parte pixels cuja correlação é fortuita, direcionando a análise e consolidando os resultados.

Áreas Sensoriais do Tato do Córtex do Homem

Os resultados monstrados na Figura 1 demonstram várias áreas somestésicas no Homem. Vários focos de ativação na área S1 (Áreas 3-1-2 de Brodman) indicam a existência de mais de duas áreas somestésicas no sulco pré-central. Além dessas, duas outras áreas foram descobertas: uma denominada S2, situada na área 43 de Brodman) e outra denominada de área somestésica insular, situada no córtex insular na junção do giro pré-central com o córtex parietal.

Bibliografia

Belliveau JW, Kennedy DN, McKinstry RC, et al. Functional mapping of the human visual córtex by magnetic resonance imaging. Science 1991: 254:716-719.

Binder JR, Rao SM, Hammeke TA, et al. Lateralized human brain language systems demonstrated by task subtraction functional magnetic resonance imaging. Arch Neurol, vol.52, 1995; 593-601.

Ogawa S, Menon RS, Tank DW, et al. Functional brain mapping by blood oxigenation level-dependent contrast magnetic resonance imaging. Biophys J 1993; 64:803-812.

Ogawa S, Lee TM, Kay AR, et al. Brain magnetic resonance imaging with contrast dependent on blood oxigenation. Proc Natl Acad Sci USA 1990; 94:68-78.


Autor Principal

Ricardo Gattass, MD, PhD
E-mail: rgattass@chagas.biof.ufrj.br, rgattass@abc.org.br
Professor Titular, Instituto de Biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Membro da Academia Nacional de Ciências desde 1993, seção de Ciências Biológicas


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Publicado em: 15.Jan.2000