Aprendendo Quando Somos Jovens

Dr. Elson de Araújo Montagno, MD, PhD
eamontagno@yahoo.com.br

Recentes pesquisas científicas demonstram que as experiências dos 3 primeiros anos de vida têm uma força ímpar no desenvolvimento do cérebro humano. Proteção, conversa e canto, leitura com nossas crianças menores ajudam-nas a adquirir habilidades para aprender e se desenvolver. Pesquisas tantas vezes provam o que já sabemos. O cérebro se forma na relação da criança com o ambiente, e isso ocorre principalmente até os 10 anos, e de maneira mais acentuada até os 3.

Crianças que têm pouco estímulo nesta fase inicial da vida deixam de formar certos circuitos neuronais. E isto compromete a capacidade de aprender a falar, ler, cantar, tocar instrumentos, dançar, dominar outros idiomas, tudo.

Essa conclusões foram oficializadas pelo presidente dos Estados Unidos, na "Conferência da Casa Branca Sobre Desenvolvimento e Aprendizagem na Infância: O Que as Novas Pesquisas do Cérebro Nos Dizem Sobre Nossas Crianças Mais Jovens", que aconteceu no último dia 17 de abril. e contou com pesquisadores das Universidades de Harvard, Yale, Washington, Califórnia, Conselho Nacional de Pesquisas norte-americano, entre outros. A conferência centrou-se nas aplicações práticas das últimas pesquisas científicas sobre o cérebro, e se revelou voltada para os pais e aqueles que cuidam de crianças nas pré-escolas.

É obrigatório que suas conclusões sejam amplamente conhecidas, pois apontam para a importância das primeiras experiências para um saudável e forte começo para que os jovens possam alcançar na vida o seu potencial pleno.

Compromissadas com o futuro das crianças muito jovens, as pesquisas divulgadas, que receberam do governo federal americano investimentos de 1.6 bilhão de dólares entre 93-97, nos ajudam a entender melhor a importância dos primeiros anos de vida no desenvolvimento e aprendizado. A conferência de Washington, foi transmitida ao vivo por todo os Estados Unidos, via satélite, para aproximadamente 100 locais e agências municipais de unidades onde se cuidam das crianças. "A aprendizagem começa nos primeiros dias da vida.

Os cientistas estão descobrindo como crianças pequenas desenvolvem-se emocional e intelectualmente desde seus primeiros dias... Nós agora sabemos que devemos ensinar as crianças antes que elas comecem a escola" - comentou em nota oficial o presidente norte-americano, Bill Clinton. A educação até os seis anos de idade exige bom senso; não se precisa ensinar o alfabeto a um infante de poucos meses.

Mas também não se pode deixá-lo à mercê do consistente lixo diário da televisão. Exposição de crianças a cenas de violência, principalmente de 0 a 3 anos, tende a hipertrofiar-lhes os circuitos que no cérebro resultam em maior ansiedade. É lamentável que exista apenas um canal cultural no Brasil, a TV Cultura, com poucos programas infantis, e apenas um canal dedicado às descobertas próprias para as crianças, ainda a ser lançado, o Discovery kids.

Durante o seu desenvolvimento, o cérebro tem que formar cerca de 100 trilhões de conexões entre 100 bilhões de neurônios. Há fatores, o genético recebido dos pais e determinante de parte da estrutura cerebral da criança, e o ambiental, que produz estímulos determinantes da emissão de axônios e dendrites e da formação - ou não- das conexões, ou sinapses.

Quanto mais a criança for exposta à linguagem falada, escrita, lida, cantada, maior será seu repertório e suas alternativas para administrar suas emoções na relação com o ambiente. O Estado administra, e mal, o ensino após os 7 anos, mas é antes disso a fase mais propicia, conforme agora fartamente provado. Até os 10 anos, o cérebro está formando os circuitos da linguagem, razão pela qual é quando se deve começar a aprender um idioma estrangeira antes disso.

A criança se incumbe do seu papel de aprender quando o ambiente é estruturado, afetivo e estimulante; não se precisa forçá-la a ter atividades, basta ser sensível à sua natural curiosidade e ter bom senso. Tudo isso pode não ser possível em muitos lares de trabalhadores que, hoje, não têm condições e, ontem, não tiveram oportunidade de conviver com esses estímulos. Nas creches, o ambiente tem que ser interessante e os educadores, bem formados, para desenvolverem os potenciais das crianças (ao contrário do que ocorre na maioria das creches do País).

No Brasil, as reformas do ensino ora andamento visam o fundamental ( 7-14 anos ), em detrimento da educação infantil (0-6 anos). O fundão, que vai vigorar de 1998 a 2007, colocará 60% do dinheiro da educação no ensino fundamental - o que para muitos municípios significa menos dinheiro para a pré-escola. A dissertação de Marci Brondi, delegada de ensino que trabalhou 14 anos em pré-escolas, recebeu da Unesp nota dez com distinção. Em "Cem anos de Pré-Escola Pública Paulista: a História de sua Expansão e Descentralização (1896-1996)" ela conclui: - A descentralização é um passo importante para a democratização do acesso ao ensino pré-escolar de qualidade, pois é significativa a participação dos municípios no atendimento à pré-escola no Estado.

Durante a conferência, Clinton fez o anúncio de uma série de compromissos de seu governo com as crianças menores, reconhecendo a importância da educação delas mais cedo; e que elas devam ser nutridas e estimuladas antes do que vem acontecendo no momento; a Associação de Faculdades de Medicina publicou carta aberta de apoio à iniciativa para a saúde infantil. Podíamos aprender também as coisas boas, apoiando famílias que têm crianças pequenas, com programas de nutrição suplementar para mães e filhos, educação adequada e serviços de saúde.

Quanto mais cedo se começa, melhor é o aprendizado, e mais eficaz a recuperação. Afinal, o cérebro da criança brasileira é exatamente igual ao de qualquer outra, de qualquer lugar. Cuidemos, pois, das nossas crianças, - dos nossos filhos e dos de nossos semelhantes - e estaremos produzindo a massa humana fundamental para tornar o Brasil do futuro uma grande nação.

Elson de Araújo Montagno é médico neurocirurgião, doutor em Medicina pela Universidade Livre de Berlim, ex-professor visitante da Universidade de Harvard e ex-professor da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.
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