Sir John Eccles (1903 - 1997)
Adeus, Sir Eccles

Dr. Elson de Araújo Montagno, MD, PhD
eamontagno@yahoo.com.br

Expirou no dia 2 de maio de 1997, aos 94 anos, Sir John C. Eccles (1903 - 1997). Trabalhou ‘sob o encanto da sinapse’ a primeira parte de sua vida, e ajudou a desvendar o cérebro, o mais importante dos mistérios. Viveu seus últimos anos pesquisando o ‘cérebro de ligação’ e foi agora ao encontro da mente universal, experienciar a passagem.

Eccles começou sua vida científica em Melbourne, Austrália, ainda como estudante de medicina aos 18 anos de idade. Devotou-se apaixonadamente ao problema da relação cérebro-mente, em particular pelas questões da auto-consciência, da experiência do si-mesmo.

Àquele tempo, parecia-lhe que as conexões especializadas entre as células nervosas, que Sherrington chamou de sinapses, continham as pistas não somente para se elucidarem as sutilezas das reações nervosas, mas também as do problema cérebro-mente.

Estudou com Sherrington, quando este inglês era o maior neurofisiologista do mundo, por três anos, em Oxford, como um Rhodes Scholar de 22 anos recém graduado em Melbourne. O jovem neurocientista australiano dedicou-se à pesquisa científica da comunicação entre as fibras nervosas: ‘rápidas, confiáveis, ilimitadas: das mais estupendas capacidades do sistema nervoso’. Encontrou, porém, poucas informações sobre a biofísica da membrana dos nervos, a permeabilidade aos fluxos iônicos que culminam no impulso nervoso.

A mais conhecida forma de comunicação entre uma célula nervosa e as outras é uma conexão especializada chamada sinapse. Havia uma grande controvérsia sobre se seria elétrica ou química a transmissão através da sinapse.

John Eccles, um dos primeiros proponentes da hipótese elétrica, descreveu os experimentos de gravações intracelulares que o persuadiram, em 1951, a abandonar a hipótese elétrica em favor da hipótese química. Eccles obtém o sucesso, mesmo ao refutar cientificamente sua própria idéia anterior, triunfa ao invés de assumir como fracasso o fato de ter trabalhado com uma hipótese equivocada. Recebeu em 1963, por isso, o Prêmio Nobel, pelo estudo da transmissão dos impulsos nervosos através da sinapse. Tornou-se a partir daí o maior neurocientista no planeta, e continuou como tal por décadas.

Em encontro ocorrido no ano de 1983, na ilha de Mainau, fronteira Suiça-Áustria-Alemanha, convivi por alguns dias com Eccles, então com 80 anos. Impressionou-me, por sua mente arguta e por seu corpo sólido. Seus olhos, transparentes, ao reluzente fulgir do espírito lustrado pela busca da verdade, mostravam toda a força da consciência que mais soube do seu próprio cérebro. O cientista do maior dos mistérios mergulha agora em outro, talvez ainda maior. Encantados pelo que mostrou sobre nós mesmos, nós nos despedimos, respeitosamente, Sir John Eccles.

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Elson de Araújo Montagno é médico neurocirurgião, doutor em Medicina pela Universidade Livre de Berlim, ex-professor visitante da Universidade de Harvard e ex-professor da faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.
 


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