Consciência

Elson de Araújo Montagno, MD, PhD

No século XVII, o francês René Descartes afirmou que no cérebro se ‘assentava’ a alma, a consciência superior do homem. A idéia vinha ilustrada com a figura de um rapaz com um dos pés muito perto de uma fogueira. Distingue-se no desenho, desde esse pé, um feixe nervoso interno indo através do braço, passando pelo tronco e pescoço, até chegar dentro da cabeça. Ali, no cérebro, o estímulo potencialmente lesivo do fogo alcançaria a consciência. As sensações de calor ou de dor seriam percebidas na consciência, e não no corpo.

Descartes teria decidido que matéria e espírito são duas essências da vida que o homem não poderia juntar. Mas o seu cérebro, sim. Talvez seja esse o maior dos mistérios! Uns poucos sábios se aventuraram, e bem recentemente, a postular sobre a consciência e o cérebro. A natureza destes, a interdependência entre eles, é hoje estudada por uma quantidade de disciplinas.

Mas não foi sempre assim, o começo foi de tentativas, muitas vezes religiosas ou pessoais. Voltando a Descartes: forjou ele uma dicotomia entre cérebro e mente. Essa idéia estabeleceu-se como um dos maiores enigmas da época moderna, que ainda hoje persiste com a denominação de dualismo cartesiano. No século XIX, o inglês Charles Darwin mexeu com o mundo científico com suas descrições e teorias sobre a origem das espécies. Ele mostrou que estamos ligados, por parentesco comum, a todos os organismos vivos. Que evoluimos a partir de primatas simiescos do passado.

Isso implica em que o cérebro humano de hoje resulta de modificações ocorridas nesses nossos ancestrais, que lograram sucesso frente às demandas de adaptação ao meio ambiente num lento e constante caminho no sentido de conquistar a sobrevivência e de palmilhar a evolução.

Foi só no começo do século XX que o cérebro realmente começou a ser revelado em suas dimensões anatômicas, bioquímicas e funcionais, a partir do gigantesco trabalho do espanhol Ramon y Cajal, que escreveu "enquanto o cérebro for um mistério, o universo também será um mistério".

A evolução, o desenvolvimento, a estrutura e a função do sistema nervoso estão se tornando conhecidos, por meio das neurociências, ramos científicos de pesquisa pura sobre o sistema nervoso dos animais, único reino onde este existe.

O estudo do sistema nervoso tem determinado o ponto de vista clínico da medicina, chamado de neurologia. Ela é obrigada a investigar fenômenos patológicos da consciência, como distúrbios do sono ou defeitos de orientação temporal e espacial, da percepção sensorial e da memória. O termo consciência é de amplo uso na cultura, que o emprega em vários sentidos. Pode significar estar acordado, prestar atenção, tomar conhecimento ou ter convicção. É difícil precisar quando cada significado do termo foi cunhado.

Sabemos porém que o Homem já estava de posse dela quando conseguiu erguer as majestosas civilizações do passado, na mãe África, no Oriente e na Asia Menor. Os estudos modernos do cérebro têm determinado áreas cerebrais que estão relacionadas com o estar acordado. Podemos até ‘ver’ essas áreas se iluminando, consumindo glicose marcada com radioisótopos, através de exames computadorizados tipo PET (Tomografia por Emissão de Pósitrons), com os seus respectivos padrões de atividades metabólicas e bioelétricos com o uso de outros testes.

Em todos são exibidas formas específicas de atenção, orientação, memória e raciocínio. Existe distinção entre as variedades normais e anormais do sono e entre as formas dos estados alterados de consciência. O "estar desacordado" é visto como o estado patológico de se estar em coma, inconsciente.

Existem vários níveis e diversas formas de inconsciência. Os estudos de pacientes epilépticos têm contribuído com informações sobre diversos aspectos da consciência e da mente, tais como autoconsciência, memória e linguagem. O estudo da consciência é por isso de interesse prático no exame neurológico de pacientes. Um conhecido neurocirurgião assim se expressa, hoje, sobre o seu ‘local de trabalho’ "O cérebro é o mais complexo, o mais extraordinário sistema biológico conhecido. Perto dele, todos os feitos da engenharia e da ciência são modestos.

Verdadeiramente, os elementos e as relações que compõem o espaço interior do continuum cérebro-mente são tão fantásticos e perturbadores como o desafio imposto pelas galáxias e seus respectivos sistemas solares no espaço exterior. E é o cérebro humano que deve resolver os mistérios, não só do universo mas também os próprios." Vivemos agora em plena década do cérebro, e todos estamos estimulados a participar desta época de descobertas. O conhecimento do cérebro e da mente levam à tecnologia da consciência. Esta abre ao homem dimensões insuspeitáveis de recursos na administração da capacidade de aprender, fazer e amar.

Elson de Araújo Montagno é médico neurocirurgião, doutor em Medicina pela Universidade Livre de Berlim, ex-professor visitante da Universidade de Harvard e ex-professor da faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.
Email: montagno@internetional.com.br

Realização: Núcleo de Infomática Biomédica

Copyright 1997 Universidade Estadual de Campinas