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O Significado dos Sonhos
A função dos sonhos
ainda permanece bastante desconhecida, embora alguns pesquisadores tenham
proposto várias teorias baseadas em achados neurobiológicos
e comportamentais sobre o conteúdo dos sonhos.
Conteúdo dos Sonhos
Muitos sonhos não são
prazerosos. Calvin Hall (7) catalogou mais de 10.000 sonhos de
pessoas normais e encontrou que:
64% - eram associados com tristeza, apreensão ou raiva;
18% - eram alegres e excitantes;
1% - eram associados com envolvimento sexual;
2 (dois)- eram atos hostis contra o sonhador, tais como assassinato, ataque,
ou denúncia.
Sonhos Bizarros
Crick and Mitchison propuseram que a função do sonho é eliminar certas formas indesejáveis de interação entre células no córtex cerebral que pudessem ser danosas ao cérebro (5). Eles sugeriram que os sonhos pudessem ser um mecanismo de desaprendizagem ou esquecimento, onde, nesta situação, as associações são enfraquecidas. "Nós sonhamos para esquecer", escreveram os autores, isto é, nós sonhamos para reduzir a fantasia e a obssessão.
Esta teoria prediz que falhas na habilidade em processar o sono REM, podem causar fantasias, alucinação e obssessão. Eles também acreditam que o cérebro necessita se livrar de informações processadas durante o estado de vigília, e os sonhos seriam um canal de eliminação destas informações para o ajuste do cérebro. Os responsáveis pela busca deste equílibrio, seriam estruturas especiais do cérebro.
Em estudos com simulação neural em redes de computadores, uma avançada tecnologia em neurociências computacionais, que é acreditada ser operada similarmente no cérebro, os autores demonstraram que as redes se tornam carregadas quando se tenta armazenar nelas, um número excessivo de informações. Neste caso, a rede produz associações bizarras (podendo-se comparar com as "fantasias" dos sonhos), e ela tende a recorrer ao mesmo resultado, quaisquer que sejam os dados entrados (obssessão), e pode responder a sinais de entradas inapropriados os quais normalmente não eliciam respostas (alucinações). Esta teoria prediz que falhas na habilidade em processar o sono REM, podem causar fantasias, alucinação e obssessão (9).
Sonhos Emocionais
Sonhos
emocionais podem refletir a personalidade do sonhador, bem como a sua situação,
no estado de alerta. Eles podem expressar preocupações,
desejos, insegurança, idéias grandiosas, ciúmes, amor,
medos e outros sentimentos ou sensações, revelando por meio
disto, diferentes aspectos do estado mental das pessoas. Evidências
desta observação foram demonstradas por Rosalind Cartwright
(9), em um estudo que envolvia sujeitos
separados e divorciados. Estes indivíduos eram acordados durante
o sono REM para reportarem seus sonhos. Em 70 indivíduos estudados,
o conteúdo do sonho estava fortemente relacionado com a maneira
pela qual aquela pessoa estava lidando com a crise em questão (o
divórcio).
Crick and Mitchison (5) sugerem que a prevalência da emocionalidade nos sonhos pode ser característica somente de sonhos que são lembrados, dado que os indivíduos são acordados pelos sonhos devido a ansiedade associada com eles. Nestes casos, o processo de aprendizagem e de esquecimento se reverte para uma aprendizagem positiva e então a sua recorrência pode ser explicada. Esta possibilidade pôde ser testada observando que os sonhos registrados de pessoas "atificialmente" acordadas durante um experimento mostrava uma diminuição na proporção de temas relacionados à ansiedade.
Sonhos Com Atos Anti-Sociais e Com Pessoas Mortas
No estado de vigília, o córtex analisa com precisão os impulsos que chegam dos vários órgãos receptores do sistema sensorial, chegando a uma decisão e gerando uma resposta integrada como, por exemplo, o movimento do braço (ação do órgão efetor) pegando uma faca. O córtex se manifesta também na inibição deliberada de ação (por exemplo, arremessar a faca em direção a uma pessoa). Para Kleitman (11), no processo do sonho, o mesmo tipo de atividade cortical se processa em um nível inferior de desempenho. A análise dos fenômenos é falha, a memória traz confusamente o passado ao presente; o sonhador reconhece uma pessoa falecida, mas aceita a sua presença sem surpresas. Consequentemente, a integração da resposta cortical é incompleta e o sonhador é muitas vezes levado a cometer imaginariamente atos anti-sociais. Felizmente, os impulsos do córtex adormecido morrem a caminho dos órgãos efetores e nada de mal acontece. Depois de um despertar súbito, mesmo as pessoas normais podem ficar confusas e agir de forma desordenada durante algum tempo (11).
Movimentos Corporais Durante os Sonhos
Alguns dos movimentos corporais estão relacionados com o conteúdo do sonho. Edward Wolpert, da Universidade de Chicago, prendeu eletrodos aos membros de sujeitos adormecidos e registrou os potenciais elétricos de ação (força exercida em uma partícula eletricamente carregada) dos músculos. O registro de um de seus sujeitos mostrava uma sequência de atividade motora primeiro na mão direita, depois na esquerda e finalmente nas pernas. Acordado imediatamente depois, o sujeito relatou que sonhara ter levantado um balde com sua mão direita, transferindo-o para a mão esquerda e então começado a andar. Extendendo-se ao sonambulismo, ele especula que este distúrbio pode ser uma expressão extrema de tal defluxo motor para as extremidades.
A Natureza Evolutiva dos Sonhos
Jonathan Winson (16) sugere que os sonhos refletem uma estratégia individual para a sobrevivência. Para ele, a natureza do sonho REM sustenta um argumento evolutivo. Durante o dia, os animais processam informação em seus cérebros para poderem andar e movimentar os olhos, no caso de se alimentarem, se defenderem contra predadores, etc. Durante a noite, ao processar novamente aquelas informações durante o sono REM, tal reprocessamento não seria facilmente separado da locomoção, pois isto demandaria uma grande revisão da circuitaria cerebral. Então, para manter o sono, a locomoção deve ser suprimida inibindo neurônios motores (aqueles que promovem a locomoção). Os movimentos oculares, por sua vez, não necessitam ser suprimidos porque sua atividade não atrapalha o sono.
Outras teorias sustentam que os sonhos podem refletir um mecanismo de processamento da memória herdado de espécies inferiores, no qual a informação importante para a sobrevivência reprocessada durante o sono REM é necessariamente sensorial (9). De acordo com nossos ancestrais mamíferos, os sonhos em humanos são sensoriais, principalmente visuais. O cego congênito tem sonhos auditivos, e aqueles que perdem esse sentido, gradualmente perdem a habilidade de sonhar visualmente.
Autor: Dra. Silvia Helena Cardoso, Psicobióloga, com mestrado e doutorado pela Universidade de São Paulo e pós-doutorado pela Universidade da Califórnia em Los Angeles. É professora convidada e pesquisadora associada do NIB/UNICAMP , editora-chefe e idealizadora da Revista "Cérebro & Mente".