Os Animais Pensam?
Renato M.E. Sabbatini, PhD
A imagem de um chimpanzé à esquerda nos lembra, com uma semelhança
desconcertante, a famosa escultura do "homem que pensa" de Auguste Rodin (a qual, por sinal, enfeita
o logotipo da revista Cérebro & Mente). Ela coloca uma questão muito forte aos estudiosos do
comportamento animal: será que os animais possuem uma mente? Eles são capazes de ter sentimentos
e pensamento? É verdade que alguns dos comportamentos dos animais indicam que eles têm uma espécie
de "modelo de mente" interior, ou seja, eles parecem ser guiados por um entendimento de que seus co-específicos
(ou mesmo seres humanos) possuem motivos e estratégias para se comportar como o fazem?
As respostas a tudo isso têm tremendas implicações, que vão da neurofilosofia à
zootecnia, do ativismo pelos direitos animais à neurogenética evolutiva.
É claro que não devemos agrupar todas as espécies animais em um só grupo, ao tentarmos responder estas questões. Praticamente ninguém aceitaria a idéia de que as formas mais inferiores de vida, tais como minhocas ou as moscas-de-fruta, sejam capazes de pensar e exibir consciência, planejamento a longo prazo ou raciocínio abstrato, as marcas fundamentais de uma mente. Nem alguém duvidaria de que os primatas antropóides, como gorilas, orangotantos e chimpanzés (estes últimos, recente demonstrados como compartilhando a impressionante porcentage de 98% do seu genoma com os seres humanos) possuam coisas que parecem ser pensamento e cultura. Assim, o Dr. Donald Griffin, Professor Emérito da Universidade Rockefeller e autor de "Animal Thinking", afirma que "a consciência não é uma entidade bem arrumadinha, do tipo tudo-ou-nada. Ela varia com a idade, a cultura, a experiência e o sexo. Se os animais tiverem experiências conscientes, então elas presumivelmente variam amplamente também." (1).
Em um artigo anterior sobre a evolução
da inteligência humana (6), eu argumentei que a inteligência
não é uma propriedade única aos seres humanos. A inteligência humana parece ser composta
de várias funções neurais correlacionadas e que cooperam entre si, muitas das quais também
estão presentes em outros primatas, tais como destreza manual, visão colorida estereoscópica
altamente sofisticada e precisa, reconhecimento e uso de s~imbolos complexos (coisas abstratas que representam
outras), memória de longo prazo, etc., De fato, a visão científica corrente é que existem
vários graus de complexidade da inteligência presente em mamíferos, e que nós compartilhamos
com eles muitas das características que previamente pensávamos ser exclusivas do ser humano, tal
como linguagem simbólica, que se comprovou também ser possível em antropóides. O estudo
da evolução da inteligência humana forneceu evidências de que parece haver uma "massa
crítica" de neurônios de ordem a conseguir consciência semelhante à dos humanos,
linguagem e cognição, mas que estas propriedades da mente parecem estar já presentes em outras
espécies com cérebros altamente desenvolvidos, embora em forma mais primitiva ou reduzida.
O problema é que os seres humanos sabem que outros humanos têm mentes iguais às suas, porque
nós podemos compartilhar essas experiências entre nós, através da linguagem simbólica.
Outros animais são incapazes de comunicar isso diretamente a nós, porque eles não têm
linguagem ou introspecção. Entretanto, os estudiosos da comunicação simbólica
dos antropóides, tais como os que fizeram experimentos que foram capazes de ensinar orangotantos, gorilas
e chimpanzés com a habilidade de usar linguagens artificiais, são rápidos em afirmar que eles
têm evidências fortes de que isso é verdade. Experimentos com os chimpanzés Koko e Washoe,
e com o gorila Kenzi, demonstraram que eles eram capazes de inventar novas palavras, construir frases abstratas
e expressar seus sentimentos através da Linguagem Americana de Sinais (para surdos-mudos) ou linguagens
simbólicas baseadas em computadores.
Muitos experimentos inteligentes
foram imaginados com o objetivo de provar que os antropóides realmente parecem ter modelos de mente e que
são capazes de representações da realidade bastante sofisticadas. Por exemplo, chimpanzés
conseguem localizar rapidamente um objeto oculgo em um ambiente complexo, quando é mostrado a eles, através
de uma maquete miniaturizada, onde eles estão. Na natureza, sabe-se que os chimpanzés são
capazes de elaborar roteiros e estratégias comlicadas com o objetivo de enganar competidores e obter vantagens,
mudar de lado ou atraiçoar-se mutuamente. Sabe-se, inclusive, que eles são capazes de mentir e dissimular,
uma qualidade que é a quintessência da mente humana, que exige a capacidde de "observar a operação
de sua própria mente", e de fazer operações mentais indutivas, dedutivas e abdutivas
com base em informação externa. Chimpanzés reconhecem a si próprios em um espelho,
por exemplo, uma proeza de que nenhum outro animal é capaz (como é exemplificado por um pássaro
que faz seu ninho em meu jardim, e que todas as manhãs nos acordo com suas lutas furiosas contra sua imagem
refletida nos vidros das janelas...). Assim, podemos dizer que eles são capazes de auto-percepção!
Os antropóides também são bastante aptos quanto à fabricação de ferramentas
e ao seu uso para resolver problemas de forma adaptativa, o que evidencia notáveis habilidades mentais,
uma capacidade para invenção e criatividade que anteriormente pensava-se ser uma exclusivade do Homo sapiens. Até mesmo o "campo sagrado" da mais poderosa das operações
simbólicas mentais, a aritmética e a matemática, parecem não deter mais uma exclusividade
humana (4). Experimentos com macacos rhesus feitos por Herbert Terrace e Elizabeth Brannon demonstraram
que os macacos conseguem entender relações ordinais entre os números de 1 a 9.
Inteligencia, communicação, aprendizado por imitação
e consciência são necessários para outra característica única de nossa espécie,
a transmissão de conhecimentos culturais. Por exemplo, um grupo de macacos do gênero Macaca, que habitam
há séculos a ilha Koshima, no norte do Japão, adquiriram e preservaram por várias gerações
o hábito de lavar batatas doces e arroz na água do mar. O isolamento populacional e cultural levam
a uma variedade muito maior de comportamentos. Existem muitas evidências para isso em comportamentos alimentares,
de exploração de alimentos, caça e compormento social em diferentes populações
de chimpanzés na África.
Existem muitas conseqüências para o reconhecimento da existência do que definimos como "pensamento"
e "consciência" entre os antropóides e outros animais. O primeiro dele é ético,
por natureza. Um grupo de direitos animais da Nova Zelândia iniciou um projeto denominado "Grandes Antropóides",
que tem por objetivo atribuir a esses animais o status de "conscientes, sentientes e pensantes", desta
forma proibindo o seu uso na experimentação animal, encarceramento compulsório (em zoológicos
e circos), e assim por diante.
Na minha opinião, eles estão corretos, até um certo ponto. Embora isso causaria uma grande redução na pesquisa sobre muitas doenças, como hepatite, AIDS e outras, as quais aparecem de forma semelhante em primatas humanos e não humanos, fazer experimentos cruéis e matar animais sensíveis e inteligentes como os chimpanzés é problematico do ponto de vista ético, quanto mais sabemos sobre as nossas diversas similaridades.
Talvez o futuro nos mostre novas maneiras de olhar os cérebros de animais usando técnicas avançadas como o PET e MRI, que nos permita decidir se eles estão usando circuitos cerebrais semelhantes aos nossos para desempenhar funções cerebrais superiores. A capacidade intelectual humana não surgiu do nada. Nós herdamos, com certeza, uma parte considerável do processamento perceptual e cognitivo de nossos predecessores primatas, de forma que não é nem um pouco surpreendente que os nossos primos mais próximos, os antropóides, os tenham também.
Renato M.E. Sabbatini, PhD, é um neurocientista do comportamento, com um doutorado pela Universidade de São Paulo, Brasil, e um renomado divulgador científico em seu país. Ele fundou o primeiro laboratório de neuroetologia do país, e um dos primeiros do mundo, após retornar da Alemanha, onde foi cientista visitante no Instituto Max Planck de Neurobiologia. Atualmente ele é professor associado do Departamento de Genética Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, e diretor do Núcleo de Informática Biomédica da mesma universidade. É fundador, editor associado e presidente do conselho editorial da revista Cérebro & Mente.
Copyright 2003 Renato Marcos Endrizzi Sabbatini
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Revista Cérebro &
Mente 17 (Mai-Ago 2003)
Uma iniciativa: Núcleo
de Informática Biomédica
Universidade Estadual de Campinas, Brasil
Publicado 25.Mai.2003