Usando as novas ferramentas proporcionadas pela microscopia óptica, os cientistas da época começaram logo a examinar os diferentes tecidos, até que, entre os anos de 1836 a 1838 (a grosso modo, cerca de uma década depois que os primeiros microscópios acromáticos se tornaram disponíveis), as primeiras células neurais foram descritas por vários anatomistas, tais como Gabriel Gustav Valentin (1810-1863) e Christian Gottfried Ehrenberg (1795–1876). Valentin foi o primeiro a descrever a estrutura interna do neurônio, com o núcleo e nucléolo.
Desenho de um neurônio por Gabriel Valentin, mostrando o protoplasma (a), o núcleo (c), o nucléolo (d) e o cone axonal (b). |
Entre esses pioneiros, estava um anatomista tcheco, que se tornou um gigante na área, Jan Evangelista Purkinje (1787-1869) (pronuncia-se Purquínie). Após esperar pacientemente por sete anos até conseguir seu primeiro microscópio acromático, ele começou a estudar os neurônios no cerebelo. Ele descreveu, em 1837 aglomerados de belas células em forma de gota, e notou que haviam processos elongados fibrosos em sua proximidade, que pareciam ser achados apenas no sistema nervoso. Os achados de Purkinje aconteceram em grande parte devido aos progressos técnicos, tais como o uso do micrótomo, do bicromato de potássio e do bálsamo de Canadã, na preparação das lâminas histológicas para a microscopia.
Outro influente cientista do período, Robert Remak (1815-1865), descreveu também em 1836 como o sistema nervoso parecia estar inteiramente tomado por uma rede fina e extremamente complexa de processos filamentares, os quais tinham escapado dos olhos dos anatomistas que o procederam. Ele também foi o primeiro a descrever a existência de dois tipos de processos: os mielinizados e os não mielinizados.
A essa altura, ninguém tinha certeza absoluta sobre qual seria a função
desses processos filamentares, mas eles pareciam ser importantes. Purkinje propôs que poderia haver alguma
conexão entre eles e os corpos dos "glóbulos" nucleados. Remak sugeriu de forma muito segura
que as fibras encontradas nos nervos poderiam ser processos que se iniciavam nestas células nervosas achadas
na medula e no cérebro.
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Infelizmente, a ausência de técnicas para corar diferencialmente os
neurônios era um grande obstáculo ao maior progresso do debate científico sobre a estrutura
celular do sistema nervoso, pelo menos até o começo da segunda metade do século. Por volta
de 1850, no entanto, a descoberta do vermelho de carmin, um corante brilhante obtido de alguns insetos, e que foi
usado por Alfonso Corti
(1822-1876), um italiano (que mais tarde se tornou famoso pela descoberta do órgão da audição
no ouvido interno, que leva o seu nome), e por Joseph von Gerlach (1820-1886), um alemão. Este último
conseguiu obter as imagens mais claras de neurônios que podiam ser obtidos na época. Além disso,
descobriu-se em 1840 de um fixador mais eficiente do que o álcool para o sistema nervoso, o ácido
crômico, por Adolph Hannover (1814-1894), in 1840. Mais tarde, no mesmo século, o desenvolvimento
dos primeiros corantes sintéticos à base de anilina, contribuiu imensamente para as técnicas
neurohistológicas.
Foi portanto em 1863, que Otto Friedrich Karl Deiters (1834-1863), usando tanto
o ácido crômico quanto o vermelho de carmin, que conseguiu estudar breve, mas intensamente, a constituição
celular detalhada do sistema nervoso. Ele também foi pioneiro em desenvolver uma técnica de microdissecção para
isolar neurônios sob o microscópio, obtendo imagens notavelmente claras e completas dos mesmos. Ele
comprovou de forma indubitável que existiam dois tipos de ramificações das células,
ligados ao soma: um que era mais arborizado, com muitos ramos finos e curtos, que ele chamou de "extensões
protoplasmáticas", e outros, na forma de uma fibra mais longa e calibrosa, com menor número
de ramificações, que ele denominou de "cilindro axial". Estas estruturas foram confirmadas
por muitos outros microscopistas, e somente receberam o seu nome atual cerca de 20 anos depois, respectivamente
"dendritos" em 1889, pelo
anatomista suiço Wilhelm His (1831-1904), e "axônios" em 1896, pelo anatomista alemão Rudolph Albert von Kölliker. A célula
em si foi batizada em 1891, com o nome de "neurônio", por Heinrich Wilhelm von Waldeyer (1836-1921).
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Deiters sugeriu cautelosamente pela primeira vez, que as terminações dos axônios pareciam se fundir com os dendritos de outras células, formando uma espécie de ponte, ou anastomose. Joseph von Gerlach, que já era bastante famoso na época. propôs que os impulsos nervosos recém-descobertos por seus colegas alemão Emil du Bois-Reymond e Julius Bernstein, propagariam-se de célula para célula através desses filamentos, de tal forma que o cérebro parecia ser uma gigantesca rede, ou retículo, com um número assombroso de tais filamentos interconectados em um sincício. A idéia foi universalmente adotada, e pelo menos até 1890 ela era ainda a predominante, em contraste com os que defendiam que o neurônio não se fundia com os outros. Verdade seja dita que Von Kölliker propôs que apenas os dendritos se fundiam. Veremos que tanto von Kölliker quanto von Waldeyer foram personalidades muito importantes, no final do século, no apoio à essa teoria, chamada de doutrina neuronal, baseada grandemente nos achados do anatomista espanhol Santiago Ramón y Cajal.
Desenho de um retículo neural por Joseph von Gerlach |
Portanto, finalmente, 70 anos depois de Galvani ter proposto a primeira teoria cientificamente factível sobre como funciona o tecido neural, uma imagem fascinante começava a tomar forma. Todas as funções neurais, e possivelmente a própria mente, pareciam ser o resultado da transmissão febril de mensagens elétricas por todo esse gigantesco sincício, em analogia com a rede de telegrafia que já havia se estabelecido firmemente ao redor do mundo por esta época. Os impulsos nervosos, que já se sabia serem "tudo ou nada", como sugeriam as pesquisas de um fisiologista norte-americano, Henry Pickering Bowditch (1840-1911), poderiam ser os pontos e traços das mensagens sendo transmitidas. Seria a tarefa principal da neurociência nos séculos seguintes entender esta linguagem, tão completamente quanto possivel, da mesma forma que Champollion havia decifrado os hieroglifos egípcios.
Neurônios e Sinapses: A História de Sua Descoberta Parte 2 de 6 |