O que é o Reflexo
Condicionado
Júlio Rocha do
Amaral e Renato M.E. Sabbatini, PhD
No
final do século XIX e no início do século XX, um fisiologista
russo chamado Ivan Pavlov (1849-1936), ao estudar a fisiologia do sistema
gastrointestinal, fez uma das grandes descobertas científicas da
atualidade: o reflexo condicionado. Foi uma das primeiras abordagens realmente
objetivas e científicas ao estudo da aprendizagem, principalmente
porque forneceu um modelo que podia ser verificado e explorado de inúmeras
maneiras, usando a metodologia da fisiologia. Pavlov inaugurava, assim,
a psicologia científica, acoplando-a à neurofisiologia. Por
seus trabalhos, recebeu o prêmio Nobel concedido na área de
Medicina e Fisiologia em 1904.
Ilustração:
Renato M. E. Sabbatini
A experiência
clássica de Pavlov é aquela do cão, a campainha e
a salivação à vista de um pedaço de carne.
Sempre que apresentamos ao cão um pedaço de carne, a visão
da carne e sua olfação provocam salivação no
animal. Se tocarmos uma campainha, qual o efeito sobre o animal? uma reação
de orientação. Ele simplesmente olha, vira a cabeça
para ver de onde vem aquele estímulo sonoro. Se tocarmos a campainha
e em seguida mostrarmos a carne, dando-a ao cão, e fizermos isso
repetidamente, depois de certo número de vezes o simples tocar
da campainha provoca salivação
no animal, preparando o seu aparelho digestivo para receber a carne. A
campainha torna-se um sinal da carne que virá depois. Todo o organismo
do animal reage como se a carne já estivesse presente, com salivação,
secreção digestiva, motricidade digestiva etc. Um estímulo
que nada tem a ver com a alimentação, meramente sonoro, passa
a ser capaz de provocar modificações digestivas. |
Para que surja um reflexo condicionado
é preciso que existam certas condições:
-
coexistência no tempo, várias
vezes repetida, entre o agente indiferente e o estímulo incondicionado
(no caso, o som da campainha e a apresentação da carne);
-
o agente indiferente deve preceder em pouco
tempo o estímulo incondicionado. Se dermos a carne primeiro e tocarmos
a campainha depois, a reação condicionada não se estabelece;
-
inexistência naquele momento de outros
estímulos que possam provocar inibição de causa externa.
Se simultaneamente damos uma chicotada no animal ou lhe jogamos água
gelada, provocamos inibição, desencadeando reação
de defesa no animal;
-
para que o reflexo condicionado se mantenha,
é necessário que periodicamente o reforcemos. Uma vez que
o reflexo se formou, o mero som da campainha substitui a apresentação
da carne. Mas, se tocarmos repetidamente a campainha e não mais
apresentarmos a carne, depois de um certo número de vezes o animal
deixa de reagir com salivação e secreção digestiva.
Como
Funciona o Reflexo Condicionado
Estímulo
-------> Resposta
Estímulo Indiferente
+ Estímulo Incondicionado (apresentação da carne)
---------> Resposta Incondicionada
Estímulo Indiferente
--------> Resposta Condicionada |
.
Explicando melhor: um estímulo
indiferente, combinado com um estímulo capaz de ativar um reflexo
incondicionado, gera uma resposta incondicionada e, depois de algum tempo,
o estímulo indiferente, por si só, é capaz de provocar
resposta que pode, então, ser considerada como condicionada. Esses
estímulos indiferentes podem vir tanto do meio externo (estímulos
sonoros, luminosos, olfativos, táteis, térmicos) como do
meio interno (vísceras, ossos, articulações).
As respostas condicionadas podem ser
motoras, secretoras ou neurovegetativas. Podem pois, ser condicionadas
reações voluntárias ou reações vegetativas
involuntárias. Podemos fazer com que respostas involuntárias
apareçam de acordo com a nossa vontade, se usarmos o condicionamento
adequado. As respostas condicionadas podem ser excitadoras (com aumento
de função) ou inibidoras (com diminuição de
função).
Existem diversos exemplos de como se
pode modificar, através do condicionamento, a fisiologia do animal
e do ser humano. Citaremos apenas alguns, para, a partir deles, procurar
compreender o que poderia ocorrer no momento do efeito placebo.
A
Modificação da Fisiologia Através do Condicionamento
Pavlov e seus seguidores logo perceberam
que o condicionamento era muito poderoso no sentido de alterar funções
orgânicas. Diversos experimentos comprovaram isso, e abriram um enorme
campo de estudos, com muitas conseqüências para a aplicação
clínica em seres humanos.
Por exemplo, coloca-se uma sonda retal
em um cão e faz-se um enema salino (injeção de água
salgada). A presença daquele soluto dentro do intestino provoca,
ao fim de algum tempo, aumento da diurese (excreção renal
de água) para restabelecer o equilíbrio hidroeletrolítico.
Depois de algumas sessões de administração de enema
salino através da sonda retal, a mera introdução da
sonda retal, sem enema, também provoca aumento da diurese.
Da mesma maneira, se antes de aplicar
injeção de insulina em um cão, faz-se com que ele
ouça sempre um assobio, a hipoglicemia que surge em decorrência
da ação da insulina passará a surgir, depois de algum
tempo, pela simples audição do assobio. O metabolismo do
animal alterou-se, passando a responder com hipoglicemia a um estímulo
sonoro que nada tem a ver, em condições normais, com o metabolismo
dos glicídios.
O Sistema Nervoso
Central e os Reflexos Conditionados
Finalmente, através do que ficou
conhecido como a "Teoria Pavloviana da Atividade Nervosa Superior", Pavlov
e seus discípulos foram os primeiros pesquisadores a integrar os
estudos da psicologia do aprendizado com a análise experimental
da função cerebral. Eles mostraram que os reflexos condicionados
se originam no córtex cerebral, o qual, segundo as palavras de Pavlov,
"é o distribuidor primário e organizador de toda as atividades
do organismo". Ao longo de vários anos, ele e seus discípulos
chegaram às leis básicas que governam a operação
do córtex cerebral no aprendizado condicionado.
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Os
Autores
Júlio
Rocha do Amaral, MD - Professor de farmacologia
clínica, anatomia e fisiologia . Gerente Médico Científico
da Merck S/A Indústrias Químicas. Redator de manuais didáticos
sobre anatomia, fisiologia e farmacologia para uso da Merck. Supervisor
de editoração das publicações científicas:
Senecta, Galenus e Sinapse. Redator de protocolos e relatórios de
pesquisas clínicas de produtos, a partir de 1978. Coordenador adjunto
dos cursos de formação de especialistas em Oxidologia, promovidos
pelo Instituto da Pessoa Humana (IPH) e Universidade do Grande Rio (UNIGRANRIO).
Chefe do Serviço de Psiquiatria do Departamento de Neurociências
do Instituto da Pessoa Humana (IPH). Co-autor do livro 'Princípios
de Neurociências, entre outros.
Email:
julioamaral@pobox.com |
Renato
M.E. Sabbatini, PhD. Doutorado em Neurofisiologia do Comportamento
pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de
São Paulo. Pesquisador convidado do Instituto Max Planck de Psiquiatria,
Munique, Alemanha. Professor Associado do Departamento de Genética
Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade
Estadual de Campinas (UNICAMP). Diretor associado do Núcleo de Informática
Biomédica, Universidade Estadual de Campinas. Editor associado da
revista Cérebro & Mente. Email: sabbatin@nib.unicamp.br |