Animações Gráficas: André Malavazzi
As
células do corpo humano caracterizam-se por apresentar em suas membranas uma diferença de potencial
elétrico que é chamado de "polarização elétrica da membrana".
Há uma diferença negativa do compartimento intracelular em relação ao compartimento
extracelular, ou seja, o interior da membrana apresenta uma carga elétrica negativa em relação
ao seu exterior. O valor dessa diferença é conhecido como potencial
de repouso da membrana.
Como surge esse potencial elétrico?
Inicialmente, devemos saber que nas células nervosas excitáveis
(os neurônios) existem concentrações diferentes de íons Na+ (sódio), Cl- (cloro)
e potássio (K+) nos compartimentos intra e extracelular.
Em condições estáveis (de equilíbrio), os íons Cl- e Na+ existem em maior concentração
do lado de fora das células do que do lado de dentro. O potássio existe em maior concentração
do lado de dentro do que do lado de fora. Além disso, existem ânions (íons negativos) orgânicos
em maior concentração do lado de dentro da célula do que do lado de fora.
Como surgem essas diferenças de concentração?
Uma das explicações é que a membrana do neurônio não deixa passar os íons
com a mesma velocidade, ou seja, dizemos que o grau de permeabilidade é diferente para cada íon.
O potássio tem uma permeabilidade muito alta, cerca de 25 vezes maior do que para o sódio. O cloro
tem uma permeabilidade menor que a do potássio, mas maior do que a do sódio. E, finalmente, a permeabilidade
dos ânions orgânicos é praticamente nula, ou seja, eles não atravessam a membrana.
Para entender como diferentes permeabilidades geram diferentes concentrações, vamos repetir aqui
a experiência que vimos na seção anterior: um béquer, com uma separação
constituída por uma membrana orgânica, com ambos os compartimentos contendo água e de um dos
lados uma solução iônica com concentrações de sódio (Na+) e potássio
(K+) em concentrações iguais no compartimento à esquerda. No diagrama abaixo, o K+ é
representado por bolinhas de cor amarela, e o Na+ por bolinhas de cor verde. As concentrações de
cada lado são indicados pelas barras verticais da mesma cor.
Quando isso acontece, o íon com uma maior permeabilidade
vai fluir mais rapidamente para o outro lado, seguindo o seu gradiente químico, do que um íon com
menor permeabilidade. Em nosso exemplo, o íon com maior permeabilidade é o potássio (K+) e
o íon com menor permeabilidade é o sódio (Na+). Dessa maneira, passado um curto período
de tempo, haverá uma concentração mais alta de K+ do que de Na+ no lado direito da membrana
e, no lado esquerdo o inverso, ou seja, uma concentração mais alta de Na+ do que K+.
Á medida em que os íons se deslocam através da membrana, surge agora uma carga elétrica
entre os dois lados da membrana (mostrado pelas agulhinhas dos voltímetros). Para o íon potássio,
o lado direito vai ficando mais positivo em relação ao lado esquerdo. Com isso, surge progressivamente
um gradiente elétrico. Então, dado que o íon K+ é positivo e é repelido por
cargas positivas, após um determinado tempo ele pára de seguir seu gradiente químico porque
a carga positiva, que ele contribue a gerar no lado direito, vai se opor ao gradiente químico, devido à
repulsão elétrica. Ocorre um equilíbrio
eletroquímico, ou seja, para cada diferença de
concentração quimica existe uma diferença de potencial que a equilibra.
Em outras palavras, ocorrerá um equilíbrio entre as forças químicas e elétricas
que geram o movimento do íons através da membrana seletivamente permeável e as concentrações
se estabilizam. Como resultado, a polarização também pára de mudar, e se equilibra.
Walther Nernst, um cientista alemão, descreveu esse fenômeno na forma de uma lei, que leva seu nome. Ela expressa, em termos matemáticos, que a concentração química dos íons e suas cargas elétricas estão em equilíbrio para um íon determinado, e que um potencial em equilíbrio é proporcional ao logaritmo das concentrações de cada lado da membrana.
Para cada íon, temos um potencial de Nernst. Para a membrana
do neurônio, o potencial de Nernst para o potássio é de -75 milivolts (mV). Como o potencial
de repouso da membrana é de cerca -60 mV, concluimos que não é somente o K+ que o determina:
outros íons devem estar envolvidos. Estes íons são o Na+ (que tem um potencial de equilíbrio
de +55 mV, ou seja, ele é o inverso do potássio: os gradientes químico e elétrico estão
na mesma direção: de fora para dentro da célula), e o Cl- (que tem um potencial de equilíbrio
de -60 mV). Estes íons são chamados de "os três grandes", pois são os mais
importantes.
O potencial de repouso da membrana é portanto, a resultante dos potenciais de Nernst de todos os íons
envolvidos. A essa lei denominamos de Nernst-Goldman, devido ao nome do cientista que ajudou à modificá-la.
Ela determina teoricamente, com grande precisão o resultado final medido experimentalmente. O íon
que tem a maior velocidade de difusão através da membrana (no caso, o potássio), é
o que mais contribue para o potencial final.
Como o potencial de membrana é mantido?
Embora a lei de Nernst garanta um estado de equilíbrio eletroquímico para cada um dos "três
grandes", na realidade esse é um equilibrio dinâmico, ou seja, estão sempre passando íons
de um lado para o outro da membrana. A longo prazo, portanto, tenderia a ocorrer o que acontece com qualquer membrana
semipermeável: as concentrações de íons dos dois lados se igualariam, e também
os potenciais, levando a uma diferença zero de potencial entre o lado interno e o lado externo.
Duas coisas garantem a manutenção de um estado polarizado e com concentrações diferentes
de íons, enquanto a célula continuar viva.
A primeira é a existência daqueles íons negativos inorgânicos em maior preponderância
do lado de dentro da célula. Eles tem um gradiente quimico de dentro para fora grande, mas a permeabilidade
para eles é zero. Então, segundo a lei de Nernst, eles tendem a gerar uma polaridade, pois os íons
positivos, como o potássio, tendem a ficar dentro da célula. Esse tipo de equilíbrio foi descoberto
por um cientista chamado Donnan.
A segunda é a bomba de sódio-potássio, da qual falamos na sessão anterior, que pega
todos os potássios que saem e jogam para dentro, e todos os sódios que entram e jogam para fora.
Para cada bombeada dessas, ela gasta uma molécula energética de ATP.
Então, explicando com mais detalhes agora, o potencial de membrana é mantido da seguinte maneira:
1) O íon K+ está em maior concentração dentro do que fora da célula. Como ele
se difunde com alta velocidade, agora ele passa a sair da célula, seguindo seu gradiente químico.
Como a célula é mais negativa dentro do que fora, então o gradiente elétrico é
oposto ao químico, e tende a "brecar" mais saída do potássio. Os ânions orgânicos
dentro da célula também tendem a limitar essa difusão. Com o tempo, no entanto, o potássio
acabaria tendo a mesma concentração dentro e fora, mas a bomba de potássio agarra cada potássio
que sai e joga para dentro;
2) O íon Na+ está maior concentração fora do que dentro da célula. Ele se difunde
a uma velocidade muito baixa, de fora para dentro, seguindo seu gradiente químico, e também seu gradiente
elétrico. Com o tempo, ele acabaria tendo a mesma concentração dentro e fora, mas a bomba
de sódio agarra cada sódio que entra e joga para fora;
3) O ion Cl- está também em maior concentração fora do que dentro. Portanto ele se
difunde, a uma velocidade menor do que a do potássio, de fora para dentro, seguindo seu gradiente químico.
O gradiente elétrico, no entanto, é oposto ao quimico, pois é mais negativo dentro do que
fora. Assim, ele se equilibra dinâmicamente, sem que haja a necessidade de uma bomba ativa de cloro!
Além disso, os ions potássio, ao sairem da célula, geram uma camada fina de íons positivos
do lado de fora, junto à membrana. Isso também contribui para que a polaridade seja então
positiva em relação ao interior da célula.
E assim as coisas entram e ficariam em equilíbrio perpétuo, se não fosse por duas coisas:
o potencial de ação (que inverte as polaridades e as concentrações habituais, mas muito
transitoriamente, apenas por alguns microssegundos antes da bomba de sódio-potássio botar tudo em
ordem novamente), e o aporte constante de energia metabólica, para fazer funcionar a bomba.
O mais interessante é que a quantidade de íons que precisam passar de um lado para o outro da célula
para produzir a diferença de potencial é ínfima, muito pequena, em relação às
concentrações absolutas.
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