A Mente, Inteligência Artificial e Emoções

Entrevista com  Marvin Minsky  

Conduzida por  Renato M.E. Sabbatini, PhD
Editor Associado, Revista Cérebro & Mente

 

Marvin Minsky é respeitado como um dos mais eminentes pesquisadores e escritores em muitos campos das Ciências da Computacão, particularmente em Inteligência Artificial, a área que estuda formas de imitar as funções cognitivas do cérebro humano no computador. Como professor do prestigioso  Massachussetts Institute of Technology (MIT), em Cambridge, EUA, ele fundou o Artificial Intelligence Laboratory, um lugar onde aconteceram muitos dos projetos de pesquisa pioneiros em ciências da computação (e onde ainda ocorrem), tais como o desenvolvimento das linguagens de programação  LISP e  LOGO. Ele também foi um dos fundadores da robótica e foi consagrado com vários prêmios e honrarias, como o Turing Award, que é considerado o Nobel da computação. Ele também participa do renomado MIT Media Lab, onde as mídias do futuro estão sendo pesquisadas.

 Devido aos muitos pontos de contato e interação entre as neurociências, psicologia e ciências da computacão na área de inteligência artificial, não é de se admirar que a mente genial do Prof. Minsky tenha se voltado para as coisas que elas têm em comum e as suas interfaces, e assim logo começou a escrever sobre o cérebro e seu produto, a mente. Sua obra máxima nesta área foi um livro fascinante,  o "The Society of Mind", que foi traduzido em várias linguagens, inclusive o português, no qual apresenta várias teorias sobre a organização e funcionamento da mente. Seu interesse na área existe há bastante tempo: a primeira construção de uma rede neural artificial baseada em hardware foi feita por Minsky enquanto ainda estudante. Ele até mesmo chegou a escrever uma novela sobre a construção de uma superinteligência no ano de 2003 intitulada  "The Turing Option", em 1991.

 O Prof. Minsky visitou São Paulo pela quarta vez em maio de 1998, como palestrante convidado do Inet’98, um congresso sobre tecnologias inteligentes e redes de computadores. Durante três dias desgastantes, tivemos a oportunidade, como presidente do comitê científico do congresso, de acompanhar a resistência física do professor (apesar de sua idade) em uma ronda interminável de entrevistas com a imprensa e palestras, e assim pudemos fazer também nossas próprias questões.
 
Ele nos impressionou tremendamente com sua inteligência, profundidade de pensamento e idéias originais, além da personalidade. O resultado foi uma entrevista composta de várias questões feitas em diferentes períodos, que nós apresentamos aqui para o prazer do leitor, que indubitavelmente ficará fascinado com a brilhante mente de Marvin Minsky  e suas várias idéias originais (algumas, digamos, audaciosas) e frases arrojadas.


A Entrevista

Sabbatini: Prof. Minsky, em sua visão, qual é a contribuição que as ciências da computação pode fazer para o estudo do cérebro e da mente?

 Minsky: Bem, para mim está bem claro que as ciências computacionais mudarão nossas vidas, mas não por causa dos computadores e sim porque nos ajudarão a entender os nossos próprios cérebros, e a aprender qual é a natureza do conhecimento. O computador nos ensinará como aprender a pensar e a sentir. Este conhecimento mudará nossa visão da humanidade e nos capacitará a mudarnos a nós mesmos. As ciências da computação dizem respeito à complexidade, e nós somos as coisas mais complexas deste mundo.

 Sabbatini: Por que os computadores são tão estúpidos?

  Minsky: Bem, uma vasta soma de informações está ao nosso alcance. Mas nenhuma máquina nos dias atuais sabe o suficiente para responder às mais simples questões do dia-a-dia, como:

 Nenhum computador sabe estas coisas, que qualquer criança normal sabe.

Existem muitos outros exemplos. Robôs fazem carros em fábricas, mas nenhum robô pode arrumar uma cama, ou limpar sua casa. Computadores podem resolver equações diferenciais, mas não conseguem entender uma simples historinha infantil; podem vencer pessoas no xadrez, mas são são capazes de encher o seu copo.

Nós precisamos de conhecimentos baseados no bom-senso (common sense) - e programas que possam utilizá-lo. A computação de bom senso necessita de várias formas para representar o conhecimento. É mais difícil fazer uma empregada doméstica computadorizada do que um jogador de xadrez computadorizado, porque a empregada é obrigada a lidar com uma ampla gama de situações.

Sabbatini: Que tamanho deve ser essa base de conhecimento?

Minsky:  Eu acho que caberia tudo em um CD-ROM. É claro, não existe nenhum experimento psicológico que já tenha sido feito com o objetivo de determinar se tudo que uma pessoa sabe cabe no conteúdo de um CD (650 MB). É totalmente impossível estimar quantos megabytes de informaçãso uma pessoa sabe, mas eu acho que não deve ser muito mais que isso. Se você memorizar 10 livros, isso ocuparia não mais que 1 megabyte de memória, mas poucas pessoas sabem sequer um livro de cor.

 Hardware não é o fator limitante para construir um computador inteligente. Nós não necessitamos de supercomputadores para isso, o problema é que nós não sabemos qual software usar com eles. Um computador de 1 MHz provavelmente é mais rápido do que o cérebro e faria o trabalho, desde que tivesse o software adequado.

 Sabbatini: Por que ainda não existem computadores que funcionem com base no conhecimento de bom senso?

 Minsky: Existem poucas pessoas trabalhando com problemas de bom-senso em Inteligência Artificial. Que eu saiba, não sao mais que cinco pessoas, então provavelmente existem aproximadamente dez delas por aí. Quem são essas pessoas? Há o John McCarthy, na  Stanford University, que foi o primeiro a formalizar o bom-senso usando lógica. Ele tem uma página na web muito interessante. Há o Harry Sloaman, da University of Edinburgh, que provavelmente é o melhor filósofo do mundo trabalhando com inteligência artificial, com exceção de  Daniel Dennett, mas ele sabe mais sobre computadores. E então, existe eu, claro. Outra pessoa trabalhando em um forte projeto de bom senso é  Douglas Lenat, que dirige o projeto CYC em Austin. Finalmente, Douglas Hofstadter, que escreve muitos livros sobre mente, inteligência artificial, etc, está trabalhando em problemas similares.  Nós somente falamos um com o outro e ninguém mais está interessado. Existe alguma coisa errada com as ciências da computação.

Sabbatini: Existe algum software de IA que usa a abordagem de bom senso?

 Minsky: Como eu disse, o melhor sistema baseado em bom senso é o CYC, desenvolvido por Doug Lenat, uma pessoa brilhante, mas que infelizmente montou uma empresa, a  CYCorp, e está desenvolvendo-o como um sistema proprietário. Muitos cientistas da computação têm boas idéias, mas depois fazem disto um segredo e começam a desenvolver sistemas proprietários, com a finalidade de ganhar dinheiro. Eles deveriam distribuir cópias de seus sistemas para pós-graduandos, de tal maneira que eles pudessem se envolver com eles e ter novas idéias. Nós temos que entender como eles funcionam.

 Sabbatini: Os programas automáticos de tradução de linguagens e programas para jogar xadrez são bons exemplos de softwares inteligentes?

 Minsky: Caro que não. A atual tecnologia de tradução automática ainda não pode ser comparada a um bom tradutor humano porque realmente o software não entende o que está sendo traduzido. Novamente, o ideal seria que ele tivesse um conhecimento de bom senso, além do conhecimento sobre o vocabulário, sintaxe, etc. O  Prof Noam Chomsky é culpado dessa situação, ou seja, porque nós ainda não temos bons programas de tradução automática. Ele é tão brilhante, e sua teoria de gramáticas geracionais é tão boa, que por 40 anos foi usada por todo mundo nesse campo, deslocando o foco da semântica para a sintaxe.

No começo da IA, era uma grande coisa tentar ensinar a um computador jogos complexos. Arthur Samuel escreveu um programa de jogo de damas em 1957. Ele será sempre lembrado como o pioneiro dos jogos computacionais. Mas acho que nós não aprendemos nada nos últimos 40 anos em matéria de desenvolvimento de programas de jogos de xadrez.  O programa da IBM, Deep Blue que sabe jogar um bom xadrez (ele venceu Gerry Kasparov,  o campeão mundial), mas apenas mais rapidamente, mas não de uma forma diferente dos primeiros programas desenvolvidos. Estes programas jogam bem e podem até mesmo vencer o atual campeão, mas eles não jogam da mesma forma como joga o cérebro humano.

 Sabbatini: Como o seu conceito de uma "sociedade da mente" se relaciona com o conehecimento de bom senso?

Minksy: Tome o sistema visual humano, por exemplo. Não existe nenhum computador hoje que possa olhar ao redor de um quarto e fazer um mapa rápido do que existe nele, uma tarefa que qualquer garoto de quatro anos de idade é capaz de fazer. Nós temos programas que podem reconhecer faces, que podem ter algum tipo de visão focal, processando e reconhecendo objetos simples, mas não um processamento de ordem elevada como esse. Desse modo, a percepção da distância humana é um bom exemplo de uma "sociedade da mente". Ela se baseia em uma série de métodos cooperativos, tais como percepção de gradientes, detecção de bordas, oclusão, foco, brilho, movimento, disparidade, perpectiva, convergência, etc. Um programa de computador tipicamente tem uma ou duas maneiras de fazer algo, ao passo que o cérebro humano tem dezenas de métodos diferentes para usar.

  Sabbatini: Você parece acreditar que nós seremos capazes de construir uma inteligência no futuro. Mas os seres humanos têm consciência, percepção de si mesmo. Os computadores serão capazes disto?

 Minsky: É muito fácil tornar os computadores conscientes deles mesmos. Por exemplo, todos os computadores têm uma pilha, uma espécie de área especial da memória onde o computador pode olhar para ver suas ações passadas. É um problema trivial e não muito importante. O problema real é saber como a mente sabe sobre ela mesma. Nós não entendemos como isto acontece. Pessoas tem uma consciência superficial sobre elas mesmas. não é uma coisa misteriosa. A medida em que os computadores conseguirem um mínimo de bom senso nós saberemos.

 Sabbatini: Quando isto acontecerá?

 Minsky: Nunca, na presente velocidade. O público não valoriza a pesquisa básica o suficiente para que esta situação seja corrigida. Eu sugiro que vocês montem um centro brasileiro para trabalhar com problemas de bom senso nos próximos 10 anos !

 Sabbatini: Seu próximo livro a ser editado será sobre o papel das emoções. Poderia nos dizer um pouco sobre isso?

 Minsky: Emoção é somente uma forma diferente de pensar. Pode usar algumas das funções corporais, tais como quando nos preparamos para fugir (o coração bate mais rápido, etc). Emoções têm um valor de sobrevivência, ou seja, ele nos ajuda a nos comportarmos mais eficientemente em algumas situações. Nesse sentido, os animais têm emoções melhores, mais fortes e nais rápidas do que nós.

Entretanto, computadores verdadeiramente inteligentes terão que ter emoções. Isto não é impossível ou mesmo difícil de alcançar. Uma vez que entendamos a relação entre pensamentos, emoção e memória, será fácil implementar estas funções no software.

Freud foi um dos primeiros cientistas computacionais, porque ele estudou a importância da memória. Ele foi também pioneiro em propor o papel das emoções na personalidade e no comportamento. Isto é novidade porque todo mundo ouviu somente suas idéias sobre sexo.

De acordo com Freud, a mente é organizada como um sanduiche. Ela é feita de três camadas: o superego, que nos dá a auto-imagem, as nossas ligações com outras pessoas, etc., e que aprende os valores e idéias sociais, proibições e tabús, os quais são aprendidos principalmente com nossos pais. Abaixo dele existe o ego, que media a resolução de conflitos, e conecta as entradas sensoriais e a expressào motora. Debaixo do ego encontramos o id, que é responsável pelo nosso sistema inato de motivações (pulsões), as nossas necessidades básicas, tais como fome, sede, sexo, etc.

Este poderia ser um bom modelo para um programa de computador que fosse capaz de ter personalidade, conhecimento e emoções, percepção social, restrições morais, etc.


Quem É Marvin Minsky

Marvin Lee Minsky é catedrático Toshiba de Artes e Ciências da Mídia, e professor da Engenharia Elétrica e Ciências da Computação no Massachusetts Institute of Technology. Suas pesquisas levaram a avanços teóricos e práticos em inteligência artificial, psicologia cognitiva, redes neurais, e a teoria das funções recursivas e máquinas de Turing. Ele fez grandes contribuições aos domínios da descrição gráfica simbólica, geometria computacional, representação do conhecimento, semântica computacional, aprendizagem simbólica e conexionista. Ele esteve também envolvido com muitos estudos de tecnologia avançada para a exploração do espaço.

O Professor Minsky foi também um dos pioneiros da robótica mecânica baseada em inteligência e telepresença. Ele elaborou e construiu uma das primeiras mãos mecânicas com sensores táteis, scanners visuais, e seus softwares e interfaces de computadores. Também influenciou muitos projetos de robótica fora do MIT, e elaborou e construiu a primeira tartaruga mecânica para o LOGO. Em 1951 ele construiu a primeira rede de aprendizagem neural (chamada de SNARC, ou Stochastic Neural-Analog Reinforcement Computer), baseada no reforçamento simulado de coeficientes de transmissão sináptica. Quando estudou em Harvard, ainda bem jovem, ele inventou e construiu o primeiro microscópio de varredura confocal, um instrumento optico com resolução sem precedentes e alta qualidade de imagem.

Desde 1950, Marvin Minsky têm traballhado usando idéias computacionais para caracterizar processos psicológicos humanos, bem como para desenvolver máquinas inteligentes. Em 1959, Minsky e John McCarthy fundaram o que se tornou o Laboratório de Inteligência Artificial do MIT. Seu paper fundamental "Steps Towards Artificial Intelligence" analisou tudo o que existia sobre o assunto. Um artigo de 1963, "Matter, Mind, and Models" tratou do problema de se fazer máquinas com auto-consciência; e em "Perceptrons," 1969, ele e Seymour Papert caracterizaram as capacidades e limitações das máquinas de reconhecimentos de padrões e aprendizagem baseadas em redes neurais. Em "A Framework for Representing Knowledge" (1974) ele criou um modelo de representação do conhecimento para muitos fenômenos em cognição, entendimento da linguagem, e percepção visual. Estas representações, chamadas de "frames," (quadroa) herdam suas características de processamento a partir de outros frames definidos previamente, e são frequentemente consideradas como uma das primeiras formas de programação orientada a objetos.

Em 1970 Minsky e Papert começaram a formular a teoria chamada "The Society of Mind" (Sociedade da Mente), a qual combina insights da psicologia do desenvolvimento da criança e suas experiências com pesquisa em Inteligência Artifical.

A Sociedade da Mente propõe que a inteligência não é um produto de um mecanismo singular, mas se origina da interação entre uma grande variedade de agentes. Eles arguiram que tal diversidade é necessária porque tarefas diferentes requerem mecanismos fundamentalmente diferentes; isto faz com que a psicologia se transforme de uma busca sem frutos por alguns princípios básicos, em uma busca por mecanismos que a mente poderia utilizar para gerenciar a interação entre esses elementos.

Porções dessa teoria começaram a aparecer em artigos nos anos 70 e início dos 80. Papert voltou suas energias para aplicar essas novas idéias na transformação da educação, enquanto Minsky continuou a trabalhar primariamente na teoria. Em 1985 ele publicou o livro "The Society of Mind," o qual tem 270 idéias expressas em uma página e interconectadas de maneira a refletir a estrutura da própria teoria. Cada página propõe um desses mecanismos que poderiam ser responsáveis por fenômenos psicológicos, ou trata de um problema criado pela solução proposta em outra página.

Desde a publicação de "The Society of Mind," Minsky tem continuado a desenvolver a teoria ao longo de diversas direções. Atualmente ele tem trabalhado em seu novo livro, a ser intitulado "The Emotion Machine," no qual ele descreve os papéis dos sentimentos, metas, emoçòes e pensamentos conscientes em termos de processos que motivam e regulam as atividades dentro das nossas sociedades pessoais da mente.

E-mail: minsky@media.mit.edu
WWW: http://www.ai.mit.edu/~minsky/minsky.html

Bibliografia

  • "Neural Nets and the Brain Model Problem", 1954 - Princeton Universty
  • "Computation: Finite and Infinite Machines", 1967 - Prentice-Hall
  • "Semantic Information Processing", 1968 - MIT Press, Cambridge, Mass.
  • "Perceptrons", (with Seymour A. Papert) 1969 and 1988 - MIT Press, Cambridge, Mass.
  • "Artificial Intelligence", 1972 - Univ. Oregon Press
  • "Why People Think Computers Can´t", 1982 - Associated Univ. Presses, Cranbury, NJ
  • "Robotics", 1986 - Doubleday
  • "The Society of Mind", 1987
  • "Inventing the Confocal Microscope", 1988
  • "Simbolic vs. Connectonist", 1990, MIT Press
  • "The Turing Option", (with Harry Harrison) 1992 - Warner Books
  • "Will Robots Inherit the Earth?", 1994 - Scientific American
  • "Negative Expertise", 1994 - International Journal of Expert Systems
  • "Matter, Mind and Models", 1995 - MIT
  • "Virtual Molecular Reality", 1995 - Markus Krumenacker & James Lewis
  • "The Society of Mind CD ROM Version", 1996 ,
  • "The Emotion Machine", New Book (in press).
  • Veja também uma lista selecionada de suas publicações.

    Adaptado da Home Page oficial do Dr. Minsky's.


    Recursos Selecionados na Internet: Inteligência Artificial


    O Autor

    Prof. Renato M.E. Sabbatini, PhD é neurocientista e especialista em informática médica. Tem um doutorado em neurofisiologia pela Universidade de São Paulo, Brasil, e pós-doutorado pelo Max Planck Institute for Psychiatry, em Munique, Alemanha Atualmente é o diretor do Núcleo de Informática Biomédica e professor livre-docente e coordenador da Disciplina de Informática Médica da Faculdade de Ciências Médicas, da Universidade Estadual de Campinas, Brasil. Email: sabbatin@nib.unicamp.br  


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