Na segunda quinzena de julho, o mundo surpreendeu-se com a notícia de que a espaçonave russa, a estação espacial Mir (paz), ficara sem energia por uma ordem errada do comandante Vladimir Tsibliev. O médico, que cuida dos tripulantes, Igor Goncharov, explicou, com a maior naturalidade, que o engano fora resultante do estresse do comandante. Nunca a palavra estresse ganhou tamanha notoriedade em circunstâncias tão dramáticas.
E o que é estresse? Não há ainda uma definição para o mesmo nos compêndios de patologia médica. É o dicionário Aurélio que nos diz que o estresse (em bom português) é "o conjunto de reações do organismo a agressões de ordem física, psíquica, infecciosa, e outras capazes de perturbar a homeostase" (equilíbrio).
Hoje o termo estresse é amplamente usado na linguagem atual e nos meios de comunicação. Designa uma agressão, que leva ao desconforto, ou as conseqüência desta agressão. É uma resposta a uma demanda, de modo certo ou errado.
O estresse corresponde a uma relação entre o indivíduo e o meio. Trata-se, portanto, de uma agressão e reação, de uma interação entre a agressão e a resposta, como propôs o médico canadense Hans Selye, o criador da moderna conceituação de estresse. O estresse fisiológico é uma adaptação normal; quando a resposta é patológica, em indivíduo mal-adaptado, registra-se uma disfunção, que leva a distúrbios transitórios ou a doenças graves, mas, no mínimo agrava as já existentes e pode desencadear aquelas para as quais a pessoa é geneticamente predisposta. Aí torna-se um caso médico por excelência. Nestas circunstâncias desenvolve-se a famosa síndrome de adaptação, ou a luta-e-fuga (fight or flight), na expressão do próprio Selye.
Segundo a colocação dada ao estresse por este autor, num congresso realizado em Munique, em 1988, "o estresse é o resultado do homem criar uma civilização, que, ele, o próprio homem não mais consegue suportar". E, em se calculando que o seu aumento anual chega a 1%, e que hoje atinge cerca de 60% de executivos (veja uma pesquisa anexa), pode-se chamar de a "doença do século" ou, melhor dizendo, " "a doença do terceiro milênio". Trata-se de um sério problema social econômico, pois é uma preocupação de saúde pública, pois ceifa pessoas ainda jovens, em idade produtiva e geralmente ocupando cargos de responsabilidade, imobilizando e invalidando as forças produtivas da nação; e é mais importante ainda no Brasil que, por ser um país ainda jovem, exclui da atividade pessoas necessárias ao seu desenvolvimento. Não se sabe exatamente a incidência no Brasil, mas nos
Estados Unidos gastam-se de 50 a 75 bilhões de dólares por ano em despesas diretas e indiretas: isto dá uma despesa e 750 dólares por ano por pessoa, que trabalha.
A vulnerabilidade hereditária, mais a preocupação com o futuro, num tempo de incertezas, de um o país que estabiliza a moeda, mas aumenta o número de desempregados, ao mesmo tempo em que a qualidade de vida piora, existem os medos do envelhecimento em más condições, e do empobrecimento, além de alimentação inadequada, pouco lazer, a falta de apoio familiar adequado e um consumismo exagerado. Todos são fatores pessoais, familiares, sociais, econômicos e profissionais, que originam a sensação de estresse e seu conseqüente desencadeamento de doenças, de uma simples azia à queda imunológica, que pode predispor infeções e até neoplasias.
A Universidade de Boston elaborou um teste rápido
e auto-aplicável (anexo), onde você pode "medir"
o nível de seu estresse. Se você passou incólume, pare
de ler o artigo. Mas, se você se "encontrou" nos ítens
apontados, mesmo em nível baixo, siga cuidadosamente a exposição.
São os grandes problemas da nossa vida que,
de modo agudo, ou crônico, nos lançam no estresse.
Diversos pesquisadores notaram que a mudança é um dos mais
efetivos agentes estressores. Assim, qualquer mudança em nossas
vidas tem o potencial de causar estresse, tanto as boas quanto as más.
O estresse ocorre, então, de forma variável, dependendo da
intensidade do evento de mudança, que pode ir desde a morte do cônjuge,
o índice máximo na escala de estresse, até
pequenas infrações de trânsito ou mesmo a saída
para as tão merecidas férias.
Certos eventos em nossas vidas são tão
estressantes, que caracterizam a situação de trauma (lesão
ou dano) psíquico. Recentemente as ciências mentais reconheceram
uma nova síndrome, batizada de Distúrbio de estresse pós-traumático,
uma verdadeira doença, pertencente ao estudo da angústia.
Tornou-se bem sistematizada a partir da volta dos "viet-vets",
ou veteranos da guerra do Vietnam. Esta doença ocorre com quadros
agudos de angústia, grave e até invalidante, quando a ex-vítima
é exposta a situações similares, tornando a desencadear
todos os sintomas ansiosos severos, que conheceram durante a violência
a que estiveram submetidos: são os "flash-backs", que
revivenciam as situações traumatizantes. Isto não é aplicado apenas a veteranos
de guerra; vejam-se os crescentes índices de violência urbana
e as suas vítimas, que vivem quadros de desespero permanente, quando
não atendidos adequadamente em serviço psiquiátrico
de reconhecida competência na área. Bombas, acidentes automobilísticos
ou aéreos, desabamentos, assaltos com extrema violência, sequestros
prolongados, estupros, etc. são causas comuns do distúrbio
de estresse pós-traumático. O tratamento costuma ser demorado,
mas tende a um bom prognóstico. Da Silva, um cirurgião americano do século
passado, foi o primeiro a perceber que soldados feridos só caíam
prostrados após alcançarem a meta: isto é, lutavam
ainda sob efeito de 'adrenalina'. O fisiologista Walter Cannon observou
que as reações alerta/luta e fuga em animais desencadeavam
um maciço aumento das catecolaminas urinárias (substâncias
decorrentes do metabolismo da adrenalina). O cientista que estudou pela primeira vez o estresse,
Hans Selye descreveu uma resposta fisiológica generalizada ao estresse,
caracterizada pela seguinte seqüência: Essas respostas são normais em qualquer situação
de dano, perigo, doença, etc. Assim, dizemos que existe um certo
nível de estresse que é normal e até importante para
a defesa do organismo, ao qual denominamos de eustress. O perigo para o
organismo passa a ocorrer quando a ativação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal
se torna crônico e repetido. Nesse momento, começam a surgir
as alterações patológicas causadas pelo nivel constantemente
elevado desses hormônios. Assim, reconhece-se que o estresse tem três fases,
que se sucedem quando os agentes estressores continuam de forma não
interrompida em sua ação: O estresse pode ser causador e/ou agravador de uma
série de doenças, que vão da asma, às doenças
dermatológicas, passando pelas alérgicas e imunológicas;
todas elas relacionadas de alguma forma à ativação
excessiva e prolongada do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal. Na área do sistema digestivo, é sabido
por todos que o estresse pode desencadear desde uma simples gastrite, até
uma úlcera: o famoso cirurgião Alípio Corrêa
Neto, da USP e da Escola Paulista de Medicina (hoje Universidade Federal
de São Paulo), dizia que se alguém afirmasse, há 20
anos atrás, que a úlcera péptica era psicossomática
(leia-se somatoforme), ririam dele; hoje, se deixasse de dizê-lo,
ririam dele. Mas, é principalmente a nível de coração,
ou mais precisamente, a nível das coronárias, que o estresse
pode ser um matador silencioso. Uma ativação repetida e crônica
do sistema nervoso autônomo, numa pessoa que já tenha problemas
de lesão da camada interna das arterias coronárias (aterosclerose),
provocadas por fumo, gordura excessiva na alimentação, obesidade
ou colesterol elevado, etc., vai levar a muitos problemas, tais como: No campo clínico (somático) os distúrbios
ainda ditos 'neuro-vegetativos' são comuns: quadro de astenia (sensação
de fraqueza e fadiga), tensão muscular elevada com cãibras
e formação de fibralgias musculares (nódulos dolorosos
nos músculos dos ombros e das costas, por exemplo), tremores, sudorese
(suor intenso), cefaléias tensionais (dores de cabeça provocas
pela tensão psíquica) e enxaqueca, lombalgias e braquialgias
(dores nas costas e nos ombros e braços), hipertensão arterial,
palpitações e batedeiras, dores pré-cordiais, colopatias
(distúrbios da absorção e da contração
do intestino grosso) e até dores urinárias sem sinais de
infecção. O laboratório clínico fornece outros
detalhes indicativos da intensa ativação patológica
no estresse: aumento da concentração do sangue e do conteúdo
de plaquetas (células responsáveis pela coagulação
sangüínea), alteração do nível de cortisol,
alterações de catecolaminas urinárias e alterações
de hormônios hipofisários e sexuais, além dos aumentos
de glicemia (açucar no sangue) e colesterol, este por conta do LDL,
ou o 'mau colesterol'. Do ponto de vista depressivo, a queda ou o aumento
do apetite, as alterações de sono, a irritabilidade, a apatia
e adinamia, o torpor afetivo e a perda de interesse e desempenhos sexuais
são comumente encontrados. Existem também as "fugas", que todos
conhecemos. Quando não se apela para a auto-medicação
com ansiolíticos (um perigo!), a pessoa refugia-se na bebida e mesmo
no consumo de drogas ilícitas de uso e abuso, além de aumentar
a quantidade de cigarros fumados, quando for fumante. São estas as condições da derrocada
à qual o estresse leva a pessoa, principalmente quando esta tiver
uma personalidade hiperativa. Muitas vezes haverá a necessidade de uso concomitante
de um tratamento medicamentoso, geralmente através dos modernos
antidepressivos serotoninérgicos (ISRS) com ou sem ansiolíticos
e/ou beta-bloqueadores por um tempo definido: começo, meio e fim. Quando já existe um quadro orgânico instalado,
desde uma simples gastrite a asma ou alteração cardiorrespiratória,
a busca de atendimento clínico é fundamental. A correção
da alteração clínica é imprescindível.
E esta pode ir de um simples a complexo tratamento ou resumir-se somente
às necessárias mudanças do modo de viver, incluindo
lazer ou uma pequena prática esportiva constante (porque não
uma caminhada diária?, que faz bem a qualquer um de nós). Mas, a principal atitude ainda é um alerta ao
modo de viver e de trabalhar com as vivências e com as emoções
que a vida nos proporciona. E aí está verdadeira e milenar
sabedoria. Veja também: Recursos
sobre Estresse na Internet
Quais São as Bases Funcionais do Estresse
?
Esta é a fase em que os estímulos estressores
começam a agir. Nosso cérebro e hormônios reagem rapidamente,
e nós podemos perceber os seus efeitos, mas somos geralmente incapazes
de notar o trabalho silencioso do estresse crônico nesta fase.
Se o estresse persiste, é nesta fase que começam
a aparecer as primeiras conseqüências mentais, emocionais e
físicas do estresse crônico. Perda de concentração
mental, instabilidade emocional, depressão, palpitações
cardíacas, suores frios, dores musculares ou dores de cabeça
freqúentes são os sinais evidentes, mas muitas pessoas ainda
não conseguem relacioná-los ao estresse, e a síndrome
pode prosseguir até a sua fase final e mais perigosa:
Esta é a fase em que o organismo capitula aos efeitos
do estresse, levando à instalação de doenças
físicas ou psíquicas.
Problemas Causados pelo
Estresse
Outros sintomas
Sintomas psíquicos
Nas ocasiões estressantes, e mesmo fora delas,
manifesta-se uma gama de reações de ordem psicológica
e psiquiátrica. Ou, pelo menos temporárias, perturbações
de comportamento ou exacerbação de problemas sociopáticos.
Os problemas ansiosos com a sintomatologia clínica,
além de irritabilidade, fraqueza, nervosismo, medos, ruminação
de idéias, exacerbação de atos falhos e obsessivos,
além de rituais compulsivos, aumentam sensivelmente. A angústia
é comum e as exacerbações de sensibilidade com provocações
e discussões são mais freqüentes.
Como Diminuir o Estresse ?
Em um excelente artigo sobre estresse, principalmente
no trabalho (e a maior parte de nós trabalha), o psiquiatra Cyro
Masci sugere medidas profiláticas iniciais, secundárias e
terciárias. Mas, em resumo, quando possível, devemos parar
para pensar; para nos darmos a liberdade de termos um tempo para refletir
sobre cada um de nós e seus esquemas pessoais, familiares, sociais,
de trabalho, de estudos e até econômico-financeiros. Devemos
reformular a vida, procurando reduzir as áreas geradoras de estresse.
Um bom psiquiatra pode nos ajudar nesta tarefa.