Frenologia em Tempos Modernos

Pode parecer inacreditável, mas nos dias de hoje ainda existem especialistas auto-intitulados que trabalham, falam, ensinam e escrevem sobre os aspectos "científicos" da frenologia, e parece que existem muitas pessoas que acreditam nestes dogmas e até fazem dinheiro com isso.

Existe um site muito curioso na Internet, Phrenology Resources, que trata da evolução moderna da frenologia, com informações úteis sobre estes temas. Segundo seu criador, no século XX a frenologia foi beneficiada peloo evolucionismo e pela antropologia criminal. É bom lembrar que este site é aparentemente pró-frenologia (seu tema de abertura é "Phrenology is a true science, which is there to benefit humanity" "Frenologia é uma ciência verdadeira, que existe para beneficiar a humanidade")

Bernard Hollander

Paul Bouts

Dois dos seguidores modernos da frenologia são bem conhecidos. Eles são o psiquiatra britânico Bernard Hollander (1864-1934), que escreveu "The Mental Function of the Brain" (1901) e "Scientific Phrenology"(1902) e Paul Bouts (1900-), um educador belga e free-lancer que misturou frenologia com tipologia e grafologia para criar uma nova proposta "objetiva" a qual ele chamou psicognomia. Seu trabalho mais importante teve o impressionante título "Les Grandioses Destinées Individuelle et Humaine dans la Lumiére de la Caracterologie et de l'Evolution Cerebro-cranienne" (Os Grandiosos Destinos Individuais no Iluminismo da Caracterologia e da Evolução Cérebro-craniana).

Houve também uma Sociedade Frenológica Britânica, que foi ativa de 1886 a 1967, e uma Companhia Frenológica de Londres, ainda hoje fazendo bons negócios com geringonças frenológicas e recursos de informação deste tipo.

Existem poucos livros recentes sobre frenologia. São eles: "Phrenology, A Study of Mind", por Frances Hedderly (L.N. Fowler & Co Ltd, London, 1970. 8524 3169 4), e "Heads, or the Art of Phrenology", por Helen e Peter Cooper (The London Phrenology Company Ltd, London,1983. ISBN 0-9508539-0-9).

Um recurso muito utilizado pelos adeptos modernos da frenologia é executar análises a posteriori de figuras históricas, tais como o infame padre russo Gregory Rasputin (1869-1917), com a finalidade de mostrar como a técnica "funciona". Como os especialistas da frenologia que fizeram isso não tiveram oportunidade para palpar as depressões cranianas de Rasputin, tendo-o analisado através de fotografias, e como seus principais traços de personalidade eram bem conhecidos através de numerosos registros históricos existentes, não é surpreendente que eles tenham conseguido um grau razoável de acerto com tal análise frenológica!

No entanto, mesmo o mais ferrenho frenologista é capaz de admitir que existem muitos erros em sua marcante ciência interpretativa (tais como quando o observador "é enganado pelo estilo do cabelo do sujeito"), realizando então um procedimento inteiramente subjetivo, influenciado pelos preconceitos do interpretador, conhecimento prévio sobre o examinado, etc.


Um das muitas ciências sucessoras da frenologia foi a craniologia, que advogou o uso de medidas quantitativas precisas de características cranianas a fim de classificar pessoas de acordo com a raça, temperamento criminal, inteligência, etc. A craniologia se tornou influente durante a era Vitoriana, e foi usada pelos britânicos para justificar o racismo, a colonização e a dominância de "raças inferiores", tais como os irlandeses e tribos negras da África. Tipos raciais foram classificados de acordo com o grau de prognatismo (um avanço relativo anterior do maxilar em relação a mandíbula) ou ortognatismo. Raças "inferiores" eram ditas prognáticas, tal como os chimpanzés e macacos, de modo que eles eram considerados como sendo mais próximos a estes animais do que aos demais europeus (tais como o anglo-saxão, claro...) John Beddoe, fundador e presidente do Instituto Antropológico Britânico, em seu livro "The Races of Man" (Raças do Homem) (1862) desenvolveu o "Índice de Negressência", baseado no qual ele declarou que os irlandeses tinham um rânio similar ao do homem pré-histórico Cro-Magnon e que seria então um tipo de raça branca africanóide.

A antropometria é também um parente próximo da frenologia. No século XIX, um membro da Sureté (policia criminal francesa), chamado Eugene Vidocq, instituiu a documentação das características de criminosos para propósitos de identificação, a qual está em uso até hoje. Um de seus colaboradores, Alphonse Bertillion, expandiu o sistema de modo a tomar várias medidas dos corpos de criminosos, com o objetivo de identificá-los de forma inequívoca (lembrem-se que as impressões digitais eram desconhecidas naquele tempo). Entretanto, elas não foram usadas para a avaliação psicológica de criminosos

Esse tipo de avaliação não tardou a ser iniciado, graças a um italiano ambicioso e controvertido chamado Cesare Lombroso, que publicou um livro chamado "Antropologia Criminal" em 1895, e no qual ele associava determinadas características craniofaciais ao tipo de criminoso. Por exemplo, Lombroso achava que os assassinos tinham maxilas proeminentes, e que os batedores de carteira tinham mãos longilíneas e barbas ralas... Lombroso foi uma personalidade altamente influente nos sistemas judicial e policial da Itália e em muitos outros países. Ainda na década dos 30, muitos juízes ordenavam a realização de análises antropométricas "lombrosianas" dos réus em processos criminais, que posteriormente eram usados pela acusação em julgamentos !

Outro "parente" da frenologia foi a tipologia inventada no século 20 pelo psiquiatra alemão Ernst Kretschmer. Seu esquema para a classificação da personalidade era baseado no tipo físico (que era classificado em atlético, astênico e pícnico), e como eles eram correlacionados com caracteristicas psicoloógicas básicas. Em seu livro, "Físico e Caráacter"(1921), ele declarou que uma pessoa com um fisico delicado com maior probabilidade era um introvertido, enquanto que pessoas com baixa estatura e corpo arredondado tenderiam a ser temperamentais. No entanto, estas e outras teorias constitucionais da personalidade não foram validadas com o tempo.

Um uso infamante e bem conhecido da antropometria foi feito pelos antropólogos e médicos nazistas, os quais, no Departamento de Higiene Racial do Ministério do Interior e no Burô para o Esclarecimento da Política Populacional e Bem-Estar Racial, propuseram a classificação  "científica" de arianos e não-arianos com base nas medidas quantitativas do crânio. A certificação craniométrica oficial tornou-se obrigatória por lei e era realizada por centenas de institutos e especialistas na Alemanha. Muitas pessoas foram condenadas aos campos de concentração ou tiveram negado o casamento ou o trabalho, em função desta "má medida do ser humano", como denominou o eminente biólogo e evolucionista americano Stephen Jay Gould a esse uso maciço e infeliz do conhecimento pseudocientífico para prejudicar pessoas (ele escreveu um livro muito interessante a respeito do assunto).


De: "Frenologia: A  história da Localização Cerebral"
Por:
Renato M.E. Sabbatini, PhD
Em:
Cérebro & Mente, março, 1997.