Hipnose: Dos Mitos à Realidade
Vladimir Bernik, MD
No Brasil, a hipnose passou também por um processo de séria descrença, por ter sido muitas vezes utilizada em palco, por pessoas não qualificadas medicamente, e tendo até mesmo causado prejuízos para as "cobaias" humanas assim utilizadas. Felizmente, seu uso fora do ambiente médico foi proibido por um decreto presidencial na década de 60.
Atualmente, a hipnose é reconhecida como um tipo de tratamento adequado para certos quadros psiquiatricos, e até mesmo como um método de valor para aumentar a resistência imunológica de pacientes, aumentando o nível de células brancas (leucócitos) responsáveis pela defesa do nosso organismo contra as doenças. Por esse motivo, tem sido muito utilizada na terapia da AIDS, pois parece ser o método que mais rapidamente altera a psicoimunologia dos pacientes (alteração do sistema imune através da psique).
A hipnose geralmente não é um tratamento em si. Os diferentes métodos terapêuticos usados pela psiquiatria podem ser realizados melhor e mais rapidamente com a sua ajuda. Uma de suas vantagens é reduzir o tempo de tratamento de um distúrbio mental.
É um dos tratamentos utilizados para:
tirar alguns sintomas de certas doenças mentais, como ansiedade;
reduzir o estresse; tratar traumas psicológicos quando sua causa é pouco relevante;
tratar medos (fobias), como medo do escuro; auxiliar o tratamento de alívio de dores crônicas, como na artrite, na dor provocada por tumores, etc.
A hipnose também é muito utilizada no tratamento de doenças psicossomáticas (por exemplo, úlceras de fundo nervoso), sendo um dos métodos que obtem resultados mais breves e eficientes.
Uma grande vantagem na hipnose é que, ao contrário do que a ficção muitas vezes retrata, ela não tem poder para alterar os valores éticos e morais do paciente. É um dos tratamentos mais sérios em Psiquiatria, e o seu código de ética internacional é um dos mais rigorosos da Medicina. É isenta de perigo, sendo totalmente segura quando controlada pelo médico.
A hipnose utiliza a técnica de indução do transe, que é um estado de relaxamento semi-consciente, mas com manutenção do contato sensorial do paciente com o ambiente.
O transe é induzido de modo gradual e por etapas, através da fadiga sensorial, que geralmente é provocada pelo terapeuta usando a voz, de forma calma, monótona, rítmica e persistente. Quando o transe se instala, a sugestibilidade do paciente é aumentada; o que requer um elevado nível ético do médico. A hipnose leva então à várias alterações da percepção sensorial, das funções intelectuais superiores, exacerbação da memória (hiperamnésia), da atenção e das funções motoras. Estabelece-se um estado de alteração de estado da consciência, um tipo de estado que simula o sono, mas não o é (a pessoa não "dorme" na hipnose): o eletroencefalograma (EEG) do paciente sob hipnose é de vigília, e não de sono.
Não se conhece ainda completamente como a hipnose altera as funções cerebrais. Uma das teorias atuais é que ela afetaria os mecanismos da atenção, em uma parte do cérebro chamada substância reticular ascendente (SRA), localizada na sua parte mais basal (tronco cerebral). Essa área, que também tem muitas funções relacionadas ao sono, ao estado de alerta, e à percepcão sensorial, "bombardeia" o cérebro continuamente com estímulos provenientes dos órgãos dos sentidos, provocando excitação geral. A inibição da SRA leva aos estados de sonolência e "desligamento" sensorial.
E a sensibilidade à hipnose, é geral ? Sim. Cerca de 90% das pessoas é hipnotizável pelo menos a nível das necessidades de terapêutica médica; alguns podem não sê-lo para etapas mais profundas, como de pesquisa pura. Esses 90% têm graus diferentes de sensibilidade: todos eles podem ser colocados sob hipnose, mas isso depende do médico, que tem que realizar um esforço maior ou menor em seu trabalho. E os outros 10% ? Bem, como a hipnose depende do estímulo da palavra (débil, rítmica, monótona e persistente), só não entrarão na hipnose os surdos e os totalmente inaptos a compreender a essência mínima do que lhes esteja sendo dito.
Entidades como Associação Médica Britânica, Associação Médica Americana, Associação Médica Canadense e Associação Americana de Psiquiatria reconheceram a força da hipnose como modo de diagnóstico e tratamento de problemas específicos em Psiquiatria. Assim, pesquisadores e serviços universitários organizaram-se no estudo mais profundo de seus fenômenos e na utilidade a ser dada às suas técnicas peculiares de diagnóstico e de terapêutica. Fundou-se uma sociedade internacional, que edita até hoje uma revista de elevado padrão científico visando à difusão de conhecimentos. Nos diferentes países, surgiram entidades nacionais, filiando-se à Sociedade Internacional. Para o estudioso da hipnose, a cada dia e a cada descoberta, ela é um mundo novo que se abre, no sentido de somar novos elementos à neurociência, da pesquisa ao diagnóstico e ao tratamento.
No entanto, ainda assim não ganhou a total credibilidade dos médicos, uma vez que é pouco disseminado o embasamento neurocientífico da hipnose.
A hipnose tem muitas indicações específicas em Psicologia, Psiquiatria e em Medicina Geral.
Tirar a dor é uma das suas indicações básicas. Na verdade, como não se pode mentir ao paciente sob hipnose, a sugestão não é a de que a dor deixou de existir, mas que ela se vai transformando progressivamente numa sensação tolerável de formigamento ou de calor.
Outra área de aplicação da hipnose médica, com bons resultados, ocorre no controle das doenças psicossomáticas, tais como a asma, o colon irritável, e os problemas psicodermatológicos (como eczemas).
O controle dos impulsos é outra excelente área de atuação para a hipnoterapia. Ela se revelou de grande valor para o tratamento de distúrbios das condutas dependentes do controle de impulsos, tais como:
as alterações de comportamento alimentar (obesidade, anorexia e bulimia);
os impulsos inibidos ou exacerbados da sexualidade e a correção de suas disfunções em todas as faixas etárias;
o controle do impulso do jogo;
as diferentes dependências químicas, do alcool ao "crack", passando pelo fumo.
A hipnose também tem valor quando usada para complementar outras formas de psicoterapia, tais como no tratamento dos medos fóbicos, no domínio sobre os instantes de desencadeamento da doença do pânico, no controle da ansiedade e dos componentes emocionais da depressão, no controle do impulso suicida e reativação dos valores da vida, etc. Em muitos desses casos, ela é acompanhada também do uso de medicamentos apropriados (como antidepressivos).
Hipnose e Pseudo-Ciência
A aproximação da "New Age" e a incrível capacidade do paciente apresentar fenômenos de hipermnésia (exacerbação da memória) levou a uma maior exploração das técnicas de regressão às fases infantis e de adolescência, para instigar terapeutas pouco conscientes a buscar regressões fantásticas a outras dimensões, vida fetal e até...outras vidas, jogando esta séria técnica médica ao limbo do esoterismo. Pessoas até vivem e "revivem" outras vidas. Esqueceram-se os pseudo-terapeutas, que, entre as incríveis propriedades desta técnica, existe a deliriogênica, capaz de transformar fantasias latentes do paciente e bem-elaborados delírios de autoreferência.
O único perigo da hipnose, de fato, é o seu mau uso: querer "navegar" por outras vidas, formar delírios e neles acreditar. Tornar a difícil vida de hoje em um inferno pior ou, no mínimo, ingenuamente mergulhar numa fantasia irreal, sem chance de retorno. Abrir para si mesmo, com a ajuda de um profissional aético, as portas da percepção de uma psicose de difícil controle.
Auto-treinamento da hipnose (pela Sociedade de Hipnose Médica de São Paulo)
Veja uma lista (em inglês) de recursos na Internet sobre hipnoterapia
Vladimir Bernik, MD. foi professor
regente de Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas de
Santos (até 1995) e presidente da Sociedade de Hipnose Médica
de São Paulo e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Hipnose
Médica. É Organizador da primeira diretoria do comitê
de Psicoterapias Clínicas (em formação) do Departamento
de Psiquiatria da Associação Paulista de medicina. Editor
e editor associado da Revista Paulista de Medicina da APM. Editor e presidente
do Conselho Editorial da Revista Brasileira de Clínica e Terapêutica
e editor da edição Psiquiatria da Revista Brasileira de Medicina.
Correspondência: vbernik@ibm.net
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